sábado, 25 de dezembro de 2010

O que o bando gospel precisa aprender com Tim Maia

Eu ganhei essa porcaria como presente de aniversário dos meus colegas quando eu ainda estava no segundo semestre da facul. Não é um LP musical, em cada lado só há um discurso proferido por esse conhecido celerado mental que é o David Miranda (pra quem não sabe ele é o chefe daquela igreja grande que tem na Várzea do Glicério, a "Deus é Amor", e que tem uma rádio AM onde ele e seus asseclas ficam gritando o dia inteiro "Senhooooor!" Todo mundo já deve ter escutado pelo menos um minuto). Quando por alguma razão estou com raiva de algo e desejo por para fora meu lado Adolf Hitler, eu procuro ouvir esse disco em rotação acelerada, 48rpm (0s LPs antigos rodam a 33rpm), e estranhamente me sinto melhor...


Tim Maia levou uma vida completamente tresloucada, mas nunca deixou de ser um gênio...Mesmo numa época em que o cara largou tudo pra estudar uma obscura filosofia e só se fodeu por causa disso, ele conseguiu produzir dois dos dez maiores discos da música brasileira: "Tim Maia Racional" e "Tim Maia Racional vol. 2" Catequese pura, mas cheia daquela inocência hippie dos anos 60/70 do século passado em acreditar num futuro melhor num mundo mais evoluído, e ainda assim é melhor do que qualquer música gospel...


Saudações a todos! Já faz muito tempo que não escrevo nada aqui no meu blog, isso porque os últimos acontecimentos não me permitiram fazê-lo, e nem a inspiração me pôde valer. Recentemente, eu passei a conhecer os famosos discos que Tim Maia lançou na época em que ele foi adepto da Cultura Racional. E pensei em fazer uma postagem comentando sobre esses discos... Mas enquanto eu reunia a inspiração e a vontade suficientes para escrever algo que preste, outros fatores me chamaram a atenção.


Eu percebi que esses discos foram todos voltados à divulgação da Cultura Racional, mas isso foi feito de uma forma que, apesar de ser muito direta (a capa dos LPs - eu botei aqui a do segundo porque na minha opinião o segundo LP é o mais bem acabado e tem as melhores músicas - já deixa isso bem claro),não era agressiva e nem procurava encaixar o gosto popular á doutrina que se estava divulgando. Tim Maia fez música diferenciada e doutrinária de uma forma que ela pudesse servir não só para o consumo dos adeptos de suas crenças. A maioria dos que hoje em dia vão atrás das obras que citei não estão interessados em estudar ou se aprofundar na Cultura Racional, mas sim em ver o gênio do cara ao falar do que acreditava usando todo o seu talento e sem agredir a ninguém.


Senão, vejamos esses vídeos que estão rolando na web:









E comparem com estas músicas do Tim Maia:









Perceberam a diferença, amigos leitores? Como é bem sabido os evangélicos de hoje procuram criar um mundo paralelo onde existem todas as coisas do "mundo profano" ou mesmo "mundo", na linguagem dos evangélicos, mas numa versão evangélica: assim sendo, temos forró evangélico, pagode evangélico, funk evangélico (muitas vezes eles fazem uma paródia de alguma música famosa e tocam ela em qualquer ritmo)...


Nessas horas, eu fico pensando: como seria um funk umbandista??? (como diria um colega meu, funk já é uma música de arrancar o cu da bunda, imagine isso transportado para esse mundo anêmico dos evangélicos modernos) Eu já pude ver sambas, xotes, música caipira e até música eletrônica falando de umbanda, mas nenhuma das que eu ouvi tentavam doutrinar os ouvintes, só falavam das forças naturais que estão presentes no universo e na vida de todos nós, e que algumas pessoas, entre as quais os umbandistas, cultuam. E eu vejo ainda que Tim Maia fez o que fez com todo o coração, sem deixar de lado o talento que ele tinha, catequizava sem forçar nada a ninguém, e fazendo boa música...


Hoje em dia, o que podemos ver são moças e rapazes de voz estrídula cantando uma balada mela-cueca falando da inadiável necessidade de se batizar ou de aceitar a Jesus, ou fazendo uma paródia esdrúxula de uma música famosa, ou orientando os jovens a reprimirem sua curiosidade, suas dúvidas e sua sexualidade, como se houvesse um botão que pudesse desligá-la enquanto eles são solteiros e que só deve ser ligado quando a pessoa se casa (no civil e no religioso!) com alguém. Enquanto isso, estamos vendo inúmeras pessoas se submetendo a coisas que elas não conseguem sequer definir, ou casamentos se dissolvendo por causa da insatisfação sexual do(s) cônjuge(s).

Isto de cantar a beleza do mundo espiritual, usando de seu talento musical, ou de falar das forças naturais que regem a vida universal, sem agredira as mentes e os ouvidos de quem quer que seja, definitivamente não é com a maioria dos evangélicos. Não há mais a vetustez dos hinários das denominações tradicionais, acompanhados por uma afinada orquestra, que expressem a beleza de se estar em comunhão com o sagrado, ou de músicas que reportem a essa eterna ingenuidade de que um dia viveremos em um mundo colorido e purificado de toda a maldade. Infelizmente, sob esta maldita bandeira do politicamente correto, temos que tolerar que um penico de merda seja atirado todo santo dia em nossas faces, e ficar bem quietos..


Só tomando uma dose pra passar a raiva... No ano que vem, tem mais!

domingo, 28 de novembro de 2010

O meu tcc na versão integral...

https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=explorer&chrome=true&srcid=0B4qdFTP4R1vLZDY4Njk2NDgtOWQ5NS00YzcyLThiZjctYTA1NmZkYTk4Nzdj&hl=pt_BR


Esse link aí em cima é o texto completo do meu tcc, que tem por título "Umbanda: um patrimônio histórico e cultural através de sua música". Este trabalho foi feito em cumprimento parcial das exigências legais para a obtenção do grau de Licenciado em História, e foi o fruto de meses de dedicada pesquisa. Será defendido no campus guarulhense da Universidade Federal de São Paulo no próximo dia 02, a partir das 20 horas.

Apesar disso, ainda temos um bom pedaço a ser caminhado pra que possamos obter nosso diploma...Foi quase como escrever um livro, mas com muito menos tempo do que seria preciso para tal...

domingo, 7 de novembro de 2010

José de Aloiá - Saudação à Praia Grande - 1986



01. Saudações à Praia Grande; 02. Mundo Enganador; 03. Feitiço de Preto-Velho; 04. Desfeita de Macumbeiro; 05. Povo do Oriente; 06. Vovó Cambinda na Bahia; 07. Vagabundo Zé Pelintra; 08. Saudações à Babalaô; 09. Mestre Sibamba; 10. Tomando Cana; 11. Nega, cadê teu Nego?; 12. Xangô.




Saudações a todos! Vamos a resenha de mais um disco de Umbanda, que tenho cá comigo em meus guardados; mas ao contrário do que eu tenho postado aqui, esse disco não é dos melhores. A bem da verdade, pode-se dizer que é uma porcaria, e que eu perdi meu dinheiro quando adquiri a cópia digital desse LP.



Mas, seguindo o conselho de Mestre Obashanan, um disco de Umbanda, por mais ruim que seja, sempre é o reflexo de uma forma de se entender a Umbanda. E este disco obviamente não é uma exceção. A maioria das faixas deste disco são forrós em homenagem à entidades da Jurema e também da Umbanda; há ainda umas duas faixas com jeito de pagode mela-cueca das antigas (uma das quais eu escolhi para a "degustação" habitual), daquele tempo que até o pagode mela-cueca era mais elaborado e romântico...



O problema do disco é que o acompanhamento instrumental das faixas ficou parecendo melodia de videokê, ou aqueles discos antigos que só continham a melodia das músicas mais famosas pra que o pessoal brincasse de karaokê (obviamente não se usa o playback, mas sim uma versão melódica, para que não se torne necessário o pagamento de direitos autorais e de execução dos originais) Em português mais claro, esse disco que ora comento ficou pra lá de brega...



O que mais ou menos salva o disco é a interpretação do José de Aloiá, pai-de-santo da Tenda de Umbanda Palácio de Iansã, Cabocla Yara e Serafina da Bahia (eu não sei onde é esse templo, nem se ele ainda existe; se alguém que passar por aqui souber de algo, por favor se manifeste!), que tem um timbre de voz muito semelhante ao da grande Clementina de Jesus, mas bem mais rouco. O disco que José de Aloiá gravou só com pontos de Zé Pelintra (posso dizer que os pontos de Zé Pelintra conhecidos da maioria dos umbandistas estão neste disco; pelo menos os primeiros pontos que eu aprendi do seu Zé Pelintra, eu aprendi escutando esse disco!) é infinitamente melhor do que este que ora apresento.



Dá pra notar que a intenção inicial era demonstrar onde estão as raízes dos ritmos da música nordestina, de uma forma bastante ousada para a época. Porque os forrós, baiões e xotes têm uma ligação muito evidente com a música das encantarias; até há um culto no Norte e no Nordeste conhecido como "Baião de Cura" . Pena que no resultado final, o disco ficou parado no tempo, daquela coisa da música nordestina dos anos 80... Pelo menos pra quem quer entender as conexões da músicados terreiros com a música popular, vale a pena ser ouvido...



A capa desse disco que encima a postagem é do blog "Acervo Tambor"



Para ouvir a faixa 08, "Saudações à Babalaô", é só clicar aqui:


http://www.esnips.com/doc/72685670-a1e8-4244-8aeb-371416276165/08-Saudações-à-Babalaô

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Umbanda - Sylvano Alves - Década de 60?


01. As criancinhas; 02. Negro Velho; 03. Pena Branca; 04. Todos os Baianos; 05. Salve Yemanjá; 06. Filho de Oxalá; 07. Divino Mestre; 08. Quizumba; 09. Tranca Rua; 10. Pomba Gira; 11. Paz no Congá; 12. Despache.


Saudações a todos! Depois de um certo tempo, vou voltar a fazer de novo o que eu mais gosto de fazer neste blog: resenhar alguma obra musical que eu tenha aqui comigo. E essa aqui é bem especial, pois é a mais rara do meu acervo... Atualmente, você não vai achar no irretorquível oráculo que se tornou o Google mais do que três ou quatro referências desse disco; eu tive muita sorte em encontrar esse LP num sebo do centro velho paulistano, e mais sorte ainda em vencer uma pequena disputa com um outro fanático colecionador de discos pra levar essa obra pra casa. Ainda bem que o preco pedido foi bem acessível; eu tenho comigo que esse LP vale pelo menos duas vezes e meia o preço que paguei por ele.



E, mais do que isso, devo ser um dos últimos seres humanos de meu tempo que possuem em sua casa um toca-discos (vitrola) ainda funcionando, o que me possibilitou conhecer esta obra tão logo eu a comprei. Como bom adepto do "copyleft" que sou, assim que possível eu consegui alguém que me fizesse uma cópia digital desse LP (o pessoal que faz esse serviço tem a estranha fama de sumir com os discos que você entrega para ele passar para CD, e não foi fácil achar um sujeito que me parecesse confiável o suficiente para que eu lhe desse a guarda temporária de um LP raro) e fiz outra cópia desse LP em mp3 que está disponível para download no blog "Discos de Umbanda" (tem um link na minha lista de blogs favoritos pra você ir para lá, portanto não me peçam esse disco!)



O sujeito fez esse serviço em menos de uma semana, mas infelizmente a versão digital ficou um pouco desvirituada do que está contido no original em vinil; no original, é possível ouvir bem distintamente um violão e um cavaquinho tocando conjuntamente em quase todas as faixas, enquanto que na versão digital o som do violão foi praticamente suprimido e está quase inaudível, e o do cavaquinho ficou mais acentuado do que no original. Felizmente, a compreensão e o sentido da obra não ficaram prejudicados nessa transposição.



O que eu não podia esperar é como um LP tão simples como esse (não temos a data de gravação, nem o nome dos músicos participantes, como é comum nos discos de umbanda; temos nomes dos compositores das faixas nas etiquetas do LP) e com um cantor relativamente desafinado pudesse mostrar de forma tão singela o que é a Umbanda, e o que significa acreditar em suas forças, usando um atabaque (deve ser um Lé), um agogô, um ganzá, um violão e um cavaquinho. Todas as músicas são louvações a algumas entidades, ou tentativas de sambas falando do imaginário dos terreiros; poderia dizer que essas músicas tem aquela levada de cururu caipira, ou dos hinos do Santo Daime. Só a faixa 07, que é uma oração, parece ter sido tirada de alguma rádio AM espírita, nas ocasiões em que eles fazem orações com eco para iniciar e/ou encerrar suas transmissões...



Todos estes fatores estão me levando a uma constatação: a música umbandista é muito mais indígena do que africana. O toque do atabaque que está nas faixas do disco (parecidíssimo com o "quebra-prato", e que é comuníssimo dentro dos terreiros de Umbanda) é claramente um toque de Jurema; o uso de instrumentos de corda é comum em outras manifestações religiosas de forte cunho indígena, como as Encantarias, o Tambor de Cura e as religiões que usam o chá do Daime; os mais emblemáticos discos de Umbanda, como por exemplo os discos do Sussu, tem mais ou menos o mesmo estilo de gravação, e por aí vai...



Desta forma, posso dizer que este é um disco bem simples, mas que remete à uma época em que os umbandistas exerciam sua fé com um pouco mais de simplicidade, de zelo e de orgulho; havia apenas a preocupação de louvar com sinceridade as forças sagradas. Enfim, é um disco que nos faz entender melhor a essência da Umbanda, que está se perdendo neste mundo globalizado...



Para ouvir a faixa 06, "Filho de Oxalá", é so clicar aí embaixo:



sábado, 16 de outubro de 2010

Uma bela e inesquecível data....


Quem diria: um fanático por música de terreiro entrevistando o sacerdote, alabê, percussionista, organizador do acervo musical da FTU, inspirador deste humilde blog e maior especialista em música de tereiro: Mestre Obashanan, que nesta foto está a minha direita...



Dois mestres juntos: Mestre Obashanan tendo à sua direita o DJ, ex-combatente da guerra de independência de Angola, antropólogo professor da Universidade Federal de São Paulo e nas horas de licença orientador de minha monografia: Julio Moracen Naranjo, o cubano.



Saudações a todos! No dia 13 de outubro deste ano, eu e meu professor orientador estivemos nas dependências da Faculdade de Teologia Umbandista entrevistando William do Carmo Oliveira, o Mestre Obashanan. Devemos antes de mais nada dizer que essa entrevista foi deveras proveitosa e que pudemos aprender muita coisa sobre a música dos terreiros... E, de quebra, levamos para casa quase todo o catálogo da Ayom Records, que é uma gravadora que não está deixando a música dos terreiros se afastar de suas mais primitivas tradições...



Pena que a riqueza desta entrevista, as palavras de sabedoria ditas por um reconhecido lutador da causa umbandista não possam ser passadas para um papel, ou para as frias páginas de um obscuro blog. Devido a tais dificuldades, eu optei por transcriar o material gravado, a partir das linhas gerais que nele estão contidas. E o resultado desta agradabilíssima palestra, todos podem ver aqui embaixo (Em tempo: qual não foi minha surpresa ao saber que há gente na Ucrânia e no Peru lendo o que eu boto aqui! Isso me dá alguma esperança na convicção de qe fiz bem em criar este blog):

Obashanan: Então, Adriano, o que você está pretendendo fazer é pesquisar sobre a música umbandista, mas só sobre a música umbandista?

Adriano: Sim, é sobre a música umbandista, mas não só a música dos terreiros, mas também aquela que de alguma forma fale das coisas do terreiro. Como o Noriel Vilela; as músicas que estão no disco dele não são pontos de raiz, mas eu já cheguei a ver algumas delas serem utilizadas dentro dos próprios rituais do terreiro. O que pretendo fazer é o seguinte: pegar as quatro obras que eu citei e tentar demonstrar que a mensagem contida nas músicas traz consigo elementos que permitem identificar aspectos da cultura umbandista, e que por isso devem ser preservados.

Obashanan: Veja bem, eu te fiz essa pergunta porque é difícil – se não impossível – dissociarmos a música da umbanda da música dos cultos de nação. O que ficou demonstrado na montagem do acervo e também na minha vivência pessoal dentro da religião é que os terreiros, sejam de umbanda, das diferentes nações de candomblé, do catimbó-jurema, os batuques do Rio Grande do Sul, de toré, encantarias, tambor de mina ou até mesmo da santería cubana, entre outras, estão ligados entre si através da música; a música é o elemento comum entre todas essas manifestações religiosas.

Embora sua pesquisa pretenda se voltar somente à umbanda, o que você precisa perceber é que há na música vínculos muito fortes que unem a umbanda a esses segmentos religiosos. Por exemplo, a maior parte dos pontos cantados da umbanda está em português, mas o que a maioria dos umbandistas desconhece é que esses pontos muitas vezes são recriações e traduções das cantigas e dos mitos de cada nação do candomblé. E ainda há outras matrizes, você teria que pesquisar muita coisa indígena, porque o jeito de cantar dentro da umbanda não vem tanto da África, mas do indígena brasileiro. Enfim, é uma música muito abrangente...

Adriano: Mas pro fim desta minha pesquisa, que é uma monografia de conclusão do curso de História na Universidade Federal de São Paulo, o que eu estou pretendendo demonstrar é que na música umbandista – que a meu ver é um patrimônio histórico imaterial que deve ser preservado – existem elementos onde a cultura umbandista está expressa e que de certa forma serviu para criar uma linguagem comum entre as diversas escolas umbandistas. Pelo menos na literatura que até agora eu consultei para o meu trabalho, pude notar que os festivais de música umbandista, por exemplo, têm de certa forma, apesar de suas restrições, servido para que pudesse se proporcionar uma legitimidade social para a religião umbandista e também para que as diversas umbandas pudessem se reconhecer num cadinho cultural comum...

Obashanan: Então, isso que você citou é a outra ponta da corda... Por quê? Porque na verdade, eu acredito que isso é uma volta, pois sem medo de errar, eu afirmo que de 80 a 90 por cento dos ritmos brasileiros e do imaginário das canções vêm dos terreiros. E para entender melhor isso você teria que ir lá atrás, você já ouviu o J.B. de Carvalho?

Adriano: Já, já sim!

Obashanan: Ele era um cara que gravou muita coisa de música popular, mas que também pegava os pontos de terreiro e depois gravava como canções de sua autoria. E antes dele temos o Grupo Nagô, o Pixinguinha, o João da Baiana, que eram todos do terreiro da Tia Ciata. O Villa-Lobos, enfim, todo esse pessoal da antiga era de lá, e todo o imaginário das canções brasileiras de alguma forma veio dos terreiros. E no Nordeste temos a influência da Jurema, com seus ritmos indígenas; esta e outras influências contribuíram de algum jeito para a formação da música popular brasileira.

E essa “ponta da corda” de que eu estou falando começou com os festivais lá na década de 70, quando havia uma necessidade de retorno à essas raízes, mas essas raízes já existiam lá; no anos 80, muito por causa da influência da música evangélica no mercado fonográfico, essas raízes foram sendo cortadas. Hoje em dia nós quase não temos dentro da música popular alguém que faça essa ponte entre o profano e as coisas do terreiro, se reportando a essas raízes...

Prof. Julio: Pois bem, como hobby eu sou DJ, e no último final de semana eu fui tocar numa festa, e pus para tocar Clara Nunes; como os donos da festa eram evangélicos, eles me pediram para parar de tocar Clara Nunes, “porque Clara Nunes é macumba”. E não se podia tocar funk, e muito menos axé. E eu acabei botando alguns sambas... Botei D. Ivone Lara, D. Edith do samba de roda, mas ainda assim o pessoal dizia que era macumba, ai pus aquele pagode e o pessoal parou de reclamar...

Obashanan: Veja só você que coisa bizarra... Enquanto que em Cuba a canção e o jeito de dançar tem toda aquela coisa da santería....

Prof. Julio: Enquanto aqui há toda uma negação disso...

Obashanan: E se você for à origem das coisas, aquilo que deu origem ao culto evangélico, principalmente o pentecostalismo, ele tem suas origens nos cultos anímicos judaicos, que tem tudo a ver com a umbanda, com as religiões tradicionais, vejam só o contrasenso...

Prof. Julio: Olha, eu penso que o trabalho do Adriano é muito interessante, e por isso mesmo é muito ambicioso... Ele está tentando analisar a música umbandista na questão do patrimônio imaterial, que é uma disciplina ainda nova dentro da História, tentando encaixar este tema dentro dos exemplos que ele elegeu, quais são mesmo?

Adriano: Eu peguei o “Eis o ôme” do Noriel Vilela, “Umbanda” do Sylvano Alves, “A Brasileiríssima Cacilda de Assis” do Jorge Ogan e “Saravá Seu Zé Pilintra”, da Genimar. Não que eu vá usar todas as músicas desses discos, mas...

Obashanan: Eu acho que você deve se concentrar no J.B. de Carvalho, porque ele é o pioneiro... Inclusive, ele tinha o pseudônimo de Maciste...

Adriano: Se eu fosse me debruçar em cima do J.B (eu tenho algumas coisas dele que não se encontram facilmente por aí), que tem uma obra muito mais extensa do que só o que ele gravou de umbanda, tem muita coisa de samba, marcha de carnaval, seresta, e a umbanda está em toda essa parte... eu acho que por ora eu não daria conta dessa análise... Eu escolhi esses quatro discos porque, até onde a gente sabe, eles não chegaram a gravar outra coisa além desses discos, e um pouco do meu gosto pessoal também ajudou nessa escolha...

Obashanan: O Noriel Vilela fez mais sucesso com o “16 toneladas”...

Adriano: Mas LP solo, foi só o “Eis o ôme”, e os outros, até onde eu pude descobrir, só gravaram esses discos, não pude encontrar outras referências confiáveis....

Obashanan: E o que você deseja saber mais especificamente sobre isso?

Adriano: Primeiramente eu gostaria de perguntar para você, que organizou todo o acervo fonográfico da FTU, qual é a importância prática de se criar e manter um acervo de música de terreiro, que utilidade este acervo poderia ter?

Obashanan: A importância primeira desse acervo é mesmo aquela questão do resgate cultural... Inicialmente isso começou como um hobby pessoal, mas conforme eu ia resgatando esses discos, fui percebendo que existia uma lacuna no estudo da música popular brasileira, que ela era tributária da música de terreiro. Quando nosso mestre começou com a FTU, eu resolvi ir mais a fundo nessa questão, porque havia muita coisa a ser pesquisada nesse sentido, muita coisa se perdeu, coisa de gravadoras pequenas, gravadoras que já fecharam, e ainda há outro aspecto: quando você está no terreiro, ouvindo aqueles pontos, quando você registra aquilo externamente em estúdio já não é mais o fundamento do terreiro, já há uma perda. E o nosso selo, a “Ayom Records”, procura resgatar esse fundamento, indo gravar lá mesmo nos terreiros, procurando mostrar a música do jeito que os caras fazem lá nos terreiros. Isso é uma coisa que se modifica muito facilmente.

E uma coisa que surgiu no Rio de Janeiro e agora está começando a vir para São Paulo, são os malditos eventos de festivais de curimba, onde o pessoal compõe os pontos como se fosse um samba profano, e as músicas vencedoras são levadas de volta para os terreiros, enquanto que dentro dos terreiros nós temos os pontos de raiz e os pontos de louvação; os pontos de raiz, que hoje são mais raros, são ditados pelas entidades incorporadas dentro dos terreiros e que estão ligados a outros fundamentos mais profundos, como o ponto riscado, o nome da entidade, algumas vezes uma dança. E o ponto de louvação é um cântico inspirado pelas entidades, mas de louvor, de saudação mesmo, não tem o poder de se aprofundar nas instâncias magísticas do culto.

Hoje em dia, em cima dos pontos de louvação, as pessoas começam a fazer as coisas num formato da música profana, da música secular... Tudo isso vai influenciando os terreiros e se perde uma coisa que a gente chama de raiz, e que são importantes para manter o terreiro vivo. Se não há essa raiz, em duas ou três gerações o terreiro até fecha, pois se perdem os fundamentos... E ainda há os cursos de curimba, e isso é uma coisa que não faz sentido, pois é um conhecimento que é transmitido dentro do terreiro. Hoje em dia já não se toca dentro dos terreiros como se tocava antigamente, se ensinam a tocar os três atabaques de uma maneira muito igual e uniforme, enquanto eles devem tocar em conjunto, mas cada um de uma maneira muito específica...

Adriano: Eu também estou aprendendo a tocar atabaque com um sujeito que cobra para ensinar, mas que também tem a faculdade mediúnica de receber as cantigas, e eu tenho notado que nessas cantigas há ainda o fundamento das entidades, ele chegou a ser iniciado como ogan... Mas realmente, o que a gente percebe comparando o que vemos dentro dos terreiros, o que vemos nos festivais de curimba, tanto nos atuais como nos mais antigos, é que realmente existe uma diferença, uma certa falta de fundamento; muitas vezes as pessoas estão pensando que estão louvando a entidade, mas estão sendo ofensivas com ela...

Obashanan: Eu já ví o pessoal cantar que vai tomar uma cerveja com Zé Pelintra no bar, já vi cântico de festival onde Exu desce do morro – isso no Rio de Janeiro – trazendo maconha pro pessoal fumar no terreiro (sic), ou seja, o que que é isso??? É cântico de festival dizendo que Exu Marabô morreu com sete balas na porta dum bar! Tirando o aspecto bizarro do negócio, você tem que pensar que é todo um imaginário negativo que se está levando para dentro do terreiro, isso é um absurdo!

E há também aquela coisa do toque que eu já falei... Uma vez fui convidado para um festival – fui essa vez e nunca mais fui – e enquanto a gente toca, o pessoal começa a fazer um teatro, a incorporar as entidades. Como dentro de um ginásio, de um estádio, de um campo de futebol, vai se ter o ambiente adequado para se incorporar uma entidade, meu amigo? Ou seja, isso é toda uma indução anímica que as pessoas vão trocando por uma realidade espiritual, o que é muito negativo e acaba cortando toda sua relação com a espiritualidade...

Os terreiros mais tradicionais não arredam pé dessa questão da espiritualidade. Veja bem, eu sou um Onilu, ou seja, um iniciado no tambor, e há segredos no tambor que você não pode deixar morrer, que são de tradições quase extintas no Brasil. Por exemplo, eu sou um dos poucos que têm os fundamentos do tambor Batá aqui no Brasil, que são tambores fechados dedicados a Ayom. E o que eu estou tentando explicar é isso; quando você tem noção da existência desses fundamentos e do que eles representam, você não sai tocando qualquer coisa, entendeu? Isso é uma coisa muito séria, que envolve uma iniciação religiosa, pois através do tambor se pode tanto induzir um transe como derrubar alguém, é algo que eu vejo como muito sagrado.

Mudando de rumo, o que eu estou percebendo é que você, Adriano, está vendo a música umbandista mais na questão da música popular, os discos que você pegou são de pessoas que gravaram coisas dentro da temática umbandista, com bandas acompanhando elas...

Adriano: Por exemplo, eu peguei o Jorge Ogan, que era filho-de-santo de D. Cacilda, que recebia o Seu Sete da Lira, e que o trabalho do Seu Sete era todo fundamentado em cima da música, com aquele acompanhamento instrumental... pena que não existam muitos registros do terreiro dele.... existem só três LPs, dois dos quais foram gravados ao vivo, e um dos quais é o do Jorge Ogan, e umas poucas matérias de jornais e revistas; eu conheci um tal de Adão, que foi cambone do Seu Sete, e perguntei se ele não tinha alguma foto para me mostrar.

Mas as fotos que ele me enviou ficaram muito ruins, a única coisa distinguível nelas é o próprio Seu Sete da Lira. E a coisa ficou mais difícil, porque D. Cacilda morreu há pouco tempo e o terreiro não funciona mais, embora suas instalações ainda existam. O que é uma pena, porque o terreiro dele era tão grande quanto qualquer templo da Igreja Universal, recebia milhares de pessoas e acabou quase sem deixar rastros do seu legado...

E isso é um absurdo, pois a história do Seu Sete da Lira, daquela época brava da ditadura militar, é uma das maiores e mais estupendas manifestações de fé da história desse país, e acabou assim, quase do nada... Eu queria ainda te perguntar o seguinte: para você, que organizou esse acervo, qual é a aplicação prática dele, e que questões ele poderia suscitar?

Obashanan: Em primeiro lugar, como já discutimos, é salientar a importância que a música de terreiro tem dentro da música popular brasileira. Outro aspecto é mostrar o quanto a expressão religiosa brasileira pode ser abrangente e diversificada. E mais ainda: é possível acompanhar a história da música gravada em disco, da indústria fonográfica em si, porque desde 1900 já se gravavam pontos de terreiro.

Ainda é possível através desses discos estabelecer até mesmo uma visão sociológica das relações entre as diversas etnias do Brasil, pois todas as tradições, tanto a indígena quanto a africana e a do homem branco podem ser vistas ali nas peças do acervo. Por isso, a idéia é ter o maior número possível de discos, não importa se o disco é ruim ou é bom, ele tem que entrar para o acervo, porque ali está uma forma de se enxergar a religiosidade dos templos.

Segue-se uma breve conversa entre o Prof. Julio e o Mestre Obashanan, que julgo melhor omitir por completo nessa transcriação; ela não acrescenta muita coisa para a nossa pesquisa, além se estar um pouco ininteligível na gravação. Depois desse diálogo, a conversa foi retomada no seguinte ponto:

Obashanan: A umbanda possui quatro raízes fundamentais. Não é só africana, ela possui uma influência muito forte do vermelho, do indígena, com as juremas, as encantarias e muitos outros rituais. Em termos ritualísticos, muita coisa vem dos Bantu, no jeito de cantar, na parte das nomenclaturas quase tudo é iorubá. E há uma influência dentro dos terreiros que não é tão evidente, que é a influência oriental; o próprio nome “umbanda” não é africano, vem do sânscrito “aumbandham” ou “allabanda”, que significa “conjunto das leis divinas”. E existe a influência católica, a influência kardecista, que é a influência do branco, do homem ocidental...

Para se entender a música umbandista também é preciso entender todo este processo de convergência, e que está inserido dentro do ponto cantado...

Há a seguir outra conversa sobre aspectos não muito relevantes para o nosso trabalho, após a qual faço a seguinte pergunta:

Adriano: Uma coisa que eu acho fundamental te perguntar é o seguinte: como as peças do acervo foram/são obtidas? Como é feita a preservação delas?

Obashanan: Muitas coisas eu obtenho indo nos terreiros, pedindo a permissão e gravando o ritual; eu já não tenho tido muito tempo pra fazer isso, mas algo que também eu fiz bastante foi ir atrás de particulares que possuíam acervos antigos, ou coisas gravadas em fitas, e estes me davam as peças ou as emprestavam pra que eu gravasse. Também obtive muita coisa em sebos, mas hoje em dia tem sido muito difícil achar obras mais raras em sebos, ou que porventura já não tenhamos no acervo. Através de colecionadores amigos meus, obtemos peças através de trocas. Todas as peças do acervo são limpas de sua sujeira, procuramos corrigir e recuperar certos danos nos originais, as peças são digitalizadas e a gente coloca a versão digitalizada, uma cópia em mp3 e a outra em Audio, junto com o original dentro de um saco plástico. E procuramos não mexer mais nos originais, deixamos mesmo como documento.

E falando em documento, outra coisa que também faço é resgatar partituras; eu consegui uma partitura raríssima, que estava guardada com algumas coisas do meu sogro, Júlio Lerner, que foi o maior jornalista que esse país já teve e que também foi o responsável pela volta do chorinho no cenário musical. Quando meu sogro morreu, fomos até a casa dele e lá havia um armário com uma caixa dentro, e a minha esposa me deu essa caixa, falando “vê se tem aí alguma coisa que você quer”. Quando abri a caixa, o que que eu vi? A partitura completa de “Perdão, Abaluaiê”, anotada pelo próprio maestro Valdemar Henrique, que compôs essa peça musical!

Adriano: As últimas coisas que eu desejo saber: porque será tão difícil se obter peças de música umbandista, sendo que essa música é voltada para um público restrito, para uma minoria religiosa?

Obashanan: Mas você fala das obras mais antigas?

Adriano: Não, eu mesmo te faço essa pergunta porque o que eu tenho comigo eu consegui baixando na internet, comprando em sebos ou em casas de umbanda, e também tenho umas coisinhas que eu consegui com o próprio artista que gravou o cd... E eu te fiz essa pergunta porque me intriga o fato de ser cada vez mais difícil encontrar os fonogramas... O próprio disco do Sylvano Alves, que eu vou usar em meu trabalho, teve que ser disputado quase a tapas num sebo do centro velho de São Paulo, e foi outra disputa pra que eu conseguisse digitalizar esse disco, porque o pessoal que faz isso costuma sumir com os discos, e eu sou bastante cioso da minha coleção particular. O cara felizmente não me sumiu com o disco, mas a versão digitalizada não ficou muito fiel ao original.

O que desejo por último saber é o seguinte: porque há essa dificuldade? E existe alguma ameaça à preservação deste patrimônio?

Obashanan: Olha, pra começar os cultos afro-brasileiros sempre foram perseguidos, principalmente na época do Getúlio Vargas, e isso restringiu muito a gravação de músicas desse tema. Hoje em dia, já não existem mais gravadoras que se dediquem a gravar a música de terreiro, com exceção do nosso selo, “Ayom Records”, e de outro sujeito que eu ajudei a se instalar aqui em São Paulo, a “Atabaque Records”; o que se vê de novo por aí são produções independentes. Ainda tem a “Chama Produções”, mas o negócio deles é meio na pirataria, eles não são cuidadosos com a produção dos discos.

Outra coisa que eu descobri indo aos sebos é que os gringos estão levando todos os discos, principalmente os DJs para as suas mixagens. Eles chegam nos sebos e levam quase tudo! E não é um ou outro que faz isso, os gringos vão aos sebos de São Paulo, do Rio de Janeiro, e por isso não se acha em sebo quase nada que já não tenhamos em nosso acervo.

Agora quanto a inflências negativas que prejudiquem a música do terreiro é a propria falta de consciência dos umbandistas em preservar e guardar o que eles tem consigo, seja na tradição musical dos terreiros, seja na própria conservação das coisas antigas que alguns têm guardadas consigo. Muitas vezes eu vou atrás de caras que eu sei que tem alguma coisa antiga guardada, e quando chego lá descubro que os caras têm a coragem de jogar fora o material...

Eu acho que o problema com os evangélicos está muto mais na forma de cantar deles, que a partir dos anos 80 invadiu a indústria fonográfica e também influenciou o jeito de cantar dos umbandistas, deixando tudo meio pasteurizado. Atualmente, a nossa gravadora procura registrar a música de terreiro como ela é, a gente procura um cuidado maior nas nossas produções, seja na parte gráfica, seja botando um microfone pra cada atabaque e pra cada cantor, seja na masterização do disco, a nossa gravadora é a única que está na Saraiva, na Livraria Cultura....

Prof. Julio: O senhor poderia explicar para nós como o Adriano poderia trabalhar as obras que ele escolheu numa visão histórica? O trabalho dele é para a graduação em História, mas tem um viés antropológico muito forte, e pode ser que na hora de ser avaliado ele seja cobrado por uma possivel falta de tratamento das questões pertinentes à ciência histórica....

Obashanan: Eu acho que ele poderia investigar a que escola umbandista cada autor está “filiado”. O Sylvano Alves, se não me engano, vem muito lá das encantarias do Norte, da Jurema, o Noriel Vilela parece ser mais do Omolokô, e o Jorge Ogan e a Genimar, que são do Rio de Janeiro, são de influência mais bantu, o jeito deles é mais voltado ao samba, que é de influência bantu.

Outra coisa que pode ser investigada nesse sentido é o seguinte: a figura das entidades umbandistas se reporta a personagens que não só fizeram parte da nossa história, como são figuras comuns a inúmeras culturas tradicionais. O caboclo, por exemplo, está presente em todos os cultos de matriz afro-brasileira, mesmo quem não trabalha incorporando tem o caboclo assentado em algum lugar do terreiro. Ainda tem a figura dos pretos-velhos e das crianças, que representam a sociedade brasileira do século 19. E se você for ver em outras culturas, essas figuras estão presentes, mas sob outra forma.


terça-feira, 28 de setembro de 2010

Tá aqui o link do disco da Genimar pros esfomeado...

Pra que ninguém mais me perturbe, está por enquanto nesse endereço o disco da Genimar, "Saravá Seu Zé Pilintra":

http://www.mediafire.com/?owp4ye5jmoh9ktt

Em breve, o blog "Discos de Umbanda" provavelmente também estará disponibilizando esse disco, e como aqui há um link para esse blog, quando o que eu pus no mediafire expirar é só ir pra lá, ok?

Por enquanto é só isso.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O que é remar contra a maré, ser excêntrico ou simplesmente esquisitão...

Esse aí é o time do XV de Jaú, em sua penúltima partida oficial, onde perdeu em casa pro Noroeste de Bauru por 1 a 0, no dia 14 de agosto. Infelizmente, um dos mais tradicionais times do interior hoje está meio ruinzinho das pernas... Mas logo vai melhorar, se Deus quiser!




A breja do glorioso Galo da Comarca!



Saudações a todos! Eu não podia deixar de falar de um assunto que interessa muito a nós, que é o futebol. E se eu vou falar de futebol, é claro que eu vou falar do meu time, o glorioso E.C. XV de Novembro de Jaú.Mas porque torcer pra esse time, numa terra em que muita gente nem sabe que existe um time com esse nome? Pra começar, eu poderia dizer que o XV de Jaú está indissoluvelmente ligado à história de minha família. Além de toda a família de meu pai ser de lá, há fatos curiosos que envolvem o Galo da Comarca e a minha família. Senão, vejamos:








Meus avós, quando começaram a namorar, tinham entre seus passatempos sair de jardineira da fazenda onde viviam e ir assistir os jogos no antigo estádio do XV de Jaú, e assim puderam ver os primeiros jogos do Galo na primeira divisão do Campeonato Paulista. Enquanto o germe de minha família estava se formando, a história de um dos mais tradicionais times de São Paulo acontecia diante de seus olhos.Em segundo, minha avó chegou a trabalhar na fábrica de refrigerantes que hoje patrocina o XV, numa época em que muitas fábricas (mais notadamente as têxteis e as alimentícias) admitiam o trabalho infantil, apesar de este já ser proibido por lei.








Pois naqueles tempos se considerava que as crianças não deviam ficar ociosas, e uma das formas de evitar o ócio infantil era fazer com que as crianças tivessem uma ocupação que rendesse alguns trocados miúdos, seja aprendendo algum ofício (como o de alfaiate e o de sapateiro, por exemplo; meu pai até hoje conserta as roupas da família porque minha avó pôs ele junto de um alfaiate), fazendo pequenos serviços para gente conhecida (como fazer "carreto" nas feiras, ou servir de moleque de recados, por exemplo) ou até mesmo fazer serviços simples dentro das fábricas. No caso em questão, minha avó diz que ela e outras crianças botavam rolhas de cortiça nas garrafas de refrigerante...








O que parece ser bem risível (pelo menos todos para quem eu contei este fato se racharam de rir), mas a minha santa avozinha, mais do que ser apenas a mãe de meu pai, é uma entidade sacrossanta intocável acima do bem e do mal (como todas as boas avós); por esta razão, cumpre-me dar crédito às suas espantosas revelações. E, por último, meu avô (o violeiro de quem eu falei em postagem anterior) chegou a cantar junto com seu irmão por duas vezes na Rádio Jauense, que hoje transmite os jogos do XV de Jaú para o mundo via internet (praticamente é a única forma de acompanhar os jogos para quem mora a 300 quilômetros de Jaú. As vezes a Rede Vida, que só mostra esses jogos perdidos do interior de São Paulo, transmite alguma partida). Enfim, eu creio que já dei provas suficientes, não?








Mas vou confessar que essa paixão é bem recente, começou no ano passado, depois de eu ter visto um vídeo onde o XV de Jaú goleava o Corinthians por 3 a 0, no Campeonato Paulista de 1977, o mesmo em que o Corinthians saiu daquela longa fila de títulos. Eu não sei o que houve de mais especial neste jogo: se o fato de o XV estar usando um uniforme parecido com o da Seleção Brasileira, se foi pelo placar relativamente elástico ou se foi porque esse jogo até hoje é o recorde de público do atual estádio do Galo da Comarca: 24 mil pessoas, mais ou menos. Ou ainda pode ser porque este jogo enganou muitos apostadores da Loteria Esportiva (isto é mera suposição minha), no tempo em que a Loteria Esportiva valia alguma coisa.








O que eu sei é que este singelo jogo até hoje é mais comentado do que os dois Paulistas da segunda divisão que o XV ganhou (até hoje os únicos títulos profissionais da equipe), ou do que as duas vezes que a equipe jogou o Campeonato Brasileiro. Todos que eu já ouvi um dia falarem alguma coisa do XV falam desse jogo... Pois bem, hoje em dia é uma dificuldade se torcer para um time que segue o mesmo rumo de muitos times do interior: já teve o seu lugar no sol junto dos grandes clubes, mas hoje luta com todas as forças para não acabar. O problema é que o XV de Jaú e muitos outros times pegaram uma época em que bastava a paixão clubística ou a boa-vontade de um único patrono mecenas pra se manter um time no profissionalismo.








Hoje em dia, sem muito dinheiro e sem um rígido planejamento empresarial nenhum time vai pra frente... Talvez algumas pessoas pensaram que aquele período romântico que era uma mistura da paixão clubística varzeana com o profissionalismo nunca ia acabar, mas quando o dinheiro entrou de vez na jogada, muitos times de tradição viram sua ruína. A maioria dos times pequenos monta as pressas uma equipe pra jogar um campeonato, e tão logo o campeonato termina, manda todos os jogadores embora, isso quando consegue pagar os salários de todo mundo.








Ou as vezes entrega a algum empresário a administração das categorias de base, onde a equipe só entra com a camisa e o estádio. Quando o contrato acaba, o dinheiro e os jogadores vão embora, e se porventura aparecer um cara bom de bola, o empresário vende ele e o clube não ganha um real sequer. Não existe um projeto para formação de jogadores que possam futuramente integrar a equipe. Enfim, estes e outros problemas colocam os times menores num fosso intransponível em relação as equipes maiores. No caso do XV, o time está começando agora a se reerguer financeiramente, mas parece que o atraso em relação a outras equipes anda vai demorar pra ser superado.








Eis que nós temos o desejo de escapar da mesmice. O Brasil tem milhares de equipes profissionais, porque nós só temos o direito de torcer por no máximo 30 ou 40 delas?, ou se torcermos por um time pequeno (geralmente o time da cidade ou do bairro em que moramos) ele deve ficar como segundo time, e um time grande deve obrigatoriamente ser nossa paixão? Só porque as emissoras de TV e suas patrocinadoras estão mandando? Torcer por um time enquanto ele está por cima, só ganhando, é muito fácil; no país do futebol, os bons jogadores e os craques surgem a toda hora, arrastando consigo o habitual séquito de fãs para si e para suas equipes. Como diria meu irmão, isso não é amor, é fogo no rabo.








Agora, torcer para um time que teve seu momentos de glória, mas hoje mais se fode do que se dá bem, ir no estádio e voltar completamente queimado de sol ou empapado de chuva até os ossos, comemorar com euforia cada vitória e até mesmo cada gol do time, é muito difícil, talvez até impossível. Mas é amor verdadeiro. Neste ano, numa partida em que o XV ganhou da Itapirense por 3 a 1 e se classificou para a segunda fase da terceira divisão do Campeonato Paulista, e eu estava acompanhando via web pela Rádio Jauense, quando o Galo fez o primeiro gol eu dei um grito arrancado do fundo de minha alma, de tal forma que todos pensaram que eu estava louco, ou que tinha visto uma ratazana entrar dentro de casa. Ninguem imaginaria que em plena manhã de domingo, dia das mães, haveria um jogo de futebol, ainda mais um jogo do XV de Jaú.








E na partida contra a Ferroviária, no começo da segunda fase? O jogo estava sendo transmitido pela Rede Vida, e o XV acabou perdendo em casa de goleada, mas até um pedaço do segundo tempo estava empatando o jogo depois de sair perdendo por 2 a 0, e estava perseguindo a virada. Eu consegui acordar a casa inteira com meus gritos de incentivo ao Galo (na noite anterior, todos voltaram de uma festa que terminou pelas altas horas da madrugada; não os acompanhei em virtude das minhas obrigações de terreiro), o que serviu somente pra deixar os ânimos mais exaltados, pois o XV de Jaú perdeu esse jogo por 5 a 2, graças a algumas falhas do goleiro. Aliás, não ganhou uma partida sequer na segunda fase, e por isso perdeu a chance de subir para a segunda divisão do Campeonato Paulista.






Por esta razão, meus senhores, devemos seguir a voz de nosso coração. Que pecado há em amarmos uma mulher feia, se nós a considerarmos bonita, ela sempre é solicita e faz de tudo pra nos agradar? Ou talvez nosso amor seja o mesmo que uma mulher tem por seu marido alcóolatra: a cada dia parece que o sujeito vai se afogar de vez no álcool pra não se levantar mais, mas a mulher que o ama jamais perde a esperança e pede com fé a Deus e aos orixás que ele largue a bebida e se torne um bom esposo.... E assim vai tocando a vida...