domingo, 15 de setembro de 2013

V de velhacaria, ou os guardiões da lei, da moral e dos bons costumes


Saudações a todos. Com a eclosão dos últimos protestos, que como vocês devem bem se lembrar inicialmente visavam a redução da tarifa do transporte público, e que com a virulência dos acontecimentos trouxeram à baila inúmeras questões ainda candentes em nossa sociedade, uma das quais a apropriação do movimento pelas classes mais conservadoras, que ao participar dos acontecimentos quiseram impor as suas bandeiras.


E entre essas bandeiras está uma suposta exigência de moralização da vida política da nação, com "a luta pelo fim da corrupção". Não vamos aqui nem nos deter no que pudemos notar nesses dias tão intensos: gente querendo a volta da ditadura militar, a restauração da monarquia, a manutenção dos preconceitos e desigualdades sociais; fiquemos por ora neste ponto específico, o "fim da corrupção", sobretudo porque é um tema que ainda é capaz de subverter a opinião de gente não muito esclarecida nesses assuntos.


Com certeza muita gente bem-intencionada se pergunta: "Ora, se o nosso país é tão rico, por que em seu seio há tanta gente na pobreza, à margem dos direitos mais básicos??? Porque praticamente todos os serviços e equipamentos públicos estão tão precários, apesar dos altíssimos impostos que pagamos (queixa frequentíssima da classe média)???" E a que considero a cereja do bolo: "Se o Lula e o PT chegaram ao poder prometendo mudar este país, porque a nossa vida (da classe média, vale bem lembrar), continuou como dantes no quartel de Abrantes (Justo nós, que carregamos este país nas costas e pensávamos que o governo petista ia transformar esta nação no parque de diversões de nossos loucos devaneios)???"


Talvez todo este povo não tenha em mente que este argumento, no qual primeiro é necessária um reforma moral para depois combatermos as injustiças sociais, ou que a reforma moral dos poderes executivo e legislativo por si só já resolveria todos os graves problemas sociais de que padecemos, lembra muito o pensamento de certo economista nos tempos da ditadura militar, que dizia que "primeiro deveríamos deixar o bolo crescer para depois dividir ente a nação", ou mesmo dos que o precederam logo após o fim desta mesma ditadura, que também pensavam que primeiro era necessário sanar os problemas da economia (leia-se: controlar a inflação e o desemprego) para depois pensarmos nos problemas sociais da nação. E os resultados de suas ações já são bem conhecidos, e sem sombra de dúvida podemos afirmar que ainda hoje pagamos o preço de seus descalabros.


Mais do que nunca, é preciso superar este paradigma de classe média individualista que só pensa em seu próprio umbigo. A vida da classe média aqui em nossas bandas pode estar bem longe de ser o paraíso esperado, mas eu garanto que nesta nação há milhões de seres humanos que, sem pensar duas vezes, trocariam sua vida de pobreza e humilhações de toda espécie por qualquer um dos privilégios que qualquer membro da classe média tem acesso. E é justamente para estes que historicamente foram excluídos dos mais básicos direitos que os últimos três governos federais tem governado, em que pese seus inúmeros vícios e a completa falta de energia em atuar em certos problemas mais prementes. 


Por esta e outras razões (queria desenvolver mais minha argumentação, mas a inspiração pra continuar escrevendo já me foge), compartilho abaixo o texto de um grande amigo que me conheceu ainda na tenra infância e que depois de 20 anos tive o prazer de reencontrar pelas redes sociais. O sujeito tem uma linha de pensamento semelhante à minha, mas com a vantagem de ser um polímata, e de ter vivido neste mundo e militado por boas causas muito mais que eu (sua cabeça já grisalha é prova disto tudo que afirmo). O texto abaixo é uma síntese de tudo que escrevi neste post até agora:


Aos bobalhões de barriga cheia, roupas limpas e casa pra morar, que saem fazendo passeatinha oca "pelo fim da corrupção", saibam algumas coisas.


1) É lamentável, mas a corrupção MUNDIAL é tão inerente às comunidades humanas quanto o sexo, dormir, alimentar-se e respirar. Em países em que a população vive bem melhor que aqui, 25% afirmam já ter pago algum tipo de propina a policiais, governantes e cartorários. Dinamarca e Finlândia figuram no topo das listas de países onde a corrupção é maior.


2) A corrupção governamental oscila entre 2% e 6% do PIB dos PAÍSES (o que é um dinheiro estrondoso!). No Brasil ela oscila entre 1,7% e 2,5%, o que também daria pra fazer muita coisa, mas nos coloca apenas em 69⁰ lugar entre os mais corruptos.


3) Nos cômputos da corrupção estão também o "trocadinho a mais" para liberar carteira de motorista, o "quebra-galho" para acelerar processos burocráticos e até pequenas "falsificações ingênuas" (comércio de atestados médicos falsos, diplomas e declarações, cancelamento de multas diversas, liberação de construções irregulares e obtenção de pequenas vantagens como informações sobre concorrentes). Poucos escapariam de uma peneira fina...


4) Não existe corrupção governamental sem a correlação com a acumulação privada e o enriquecimento de empresas de todo porte. Inclusive marcas por aí, que botam páginas nas redes sociais e o pessoal "curte" (bancos, telecomunicação, grifes, jornais, revistas e agremiações esportivas).


5) Grande parte dos desvios se dão por meios "legais". Os lobbies sobre casas parlamentares e que resultam em leis, que favorecem: a exploração de mão-de-obra precária (terceirizações e cooperativas fajutas), a remissão de dívidas tributárias de empresas (opa!) e a cessão de benefícios fiscais a negócios lucrativos, inclusive ONGs e templos religiosos.


Então, aos trouxas que ficam "passeatando" com vassourinhas janistas, mascarazinhas de filme, clamam "fora Fulano, fora Beltrana", percebam o quanto vocês se deixam manipular por gente que quer suprimir os SEUS direitos trabalhistas, tapeá-los com a "imprensa livre", achatar as condições de vida de trabalhadores pobres e entregar nossa economia a trustes transnacionais. 


Se quer combater a corrupção, comece parando de pagar suborno ao despachante, comparecendo à reunião do seu condomínio, participando de associações de pais da escola de seus filhos e votando dentro de seu sindicato. O resto é balela, seus tontos!

domingo, 8 de setembro de 2013

The zueira never ends?




Saudações a todos! Como vocês devem saber, existe um intenso debate quanto aos limites do humor: será que podemos fazer piada com tudo e todos ou há piadas que não são tão legais de se fazer??? Qual a função do humor: ser um instrumento crítico da realidade e das instituições ou buscar apenas o riso??? São questões que não são fáceis de serem respondidas a priori, mas que ganharam uma grande importância, sobretudo por causa do que este sujeito aí da foto tem dito ultimamente em seu programa e nas redes sociais, onde , inclusive ele divulgou este vídeo aqui:





E, como sabemos, ele e vários outros gostam muito de dizer que praticam o "humor politicamente incorreto". Talvez parte do sucesso deles venha porque eles rompem com o velho humor de tipos e personagens caricatos, fórmula consagrada desde os tempos do rádio. Ou talvez porque em suas piadas eles falam daquilo que está na cabeça de muitos de nós, mas que por alguma razão não temos coragem de exprimir publicamente. Mas isso não responde às nossas questões iniciais. Sobre tudo isso, acho muito pertinentes as palavras de Roberto Gomes, no primeiro capítulo de sua "Crítica da Razão Tupininquim" (livro que todos os cultores das ciências humanas não podem deixar de ler, e que está disponível na íntegra aqui); os grifos são meus: 


"Gostamos muito de piadas. Há todo um espírito brasileiro que se delicia com a própria agilidade mental, esta capacidade de ver o avesso das coisas revelado numa palavra, frase, fato. Somos, os brasileiros, muito bem-humorados. Conseguimos rir de tudo. Do governo que cai e do governo que sobe. Das instituições que deveriam estar a nosso serviço, dos dirigentes que deveriam representar nossos interesses. E não é só. Chegamos a fazer piadas sobre nossa capacidade de fazer piadas. Nada mais ilustrativo do que a série de piadas onde representantes de outros países são ridicularizados pelo desconcertante 'jeitinho' de um brasileiro. Neste plano, seja dito, nos movemos com facilidade gritante (...)


Creio que a existência de uma piada tipicamente brasileira deveria ser objeto de estudo mais aprofundado. Possuirá características específicas? Que atitudes básicas revela? Uma saudável maneira de suportar um existir humilhado? Um modo de estar acima daquilo que amesquinha nosso dia a dia? Talvez sim. Certamente sim. Uns reagem com dramaticidade, tragédia e muito sangue - ocorreu-nos reagir com o riso. Talvez uma posição existencial muito nossa. O riso - um certo tipo de riso, o nosso - nos salva, tiraniza o tirano, amesquinha quem nos tortura, exorciza nossas angústias(...)


Há um perigo, porém. Sempre há um perigo. A mesma piada que salva pode mascarar-se em alienação. Como qualquer criação humana, também a piada deve ser essencialmente crítica, já que é de sua pretensão ser isso: uma forma de conhecimento. Ora, quando o riso se perde em pura facilidade, em distração, morre a atitude crítica. E o 'jeito piadístico' estará a serviço de nossa inautenticidade. Há indícios, entre nós, de tal coisa: deixar como está pra ver como é que fica; não esquentar a cabeça; analisa não; dá-se um jeito.


O conformismo brasileiro encontra aí seu terreno de eleição. Justificar, por exemplo, sua própria condição - dependência, insolvência política, jogos de privilégios - através de um simples 'o brasileiro é assim mesmo', eis o que impede seja criada entre nós uma atitude tipicamente brasileira ao nível da reflexão crítica, proposta e assumida como nossa. Desconhecendo-se (...) o brasileiro aliena-se de dois modos: rindo-se de sua sem-importância ou delirando em torno do 'país do futuro', em variados 'anauês'. Na verdade, conformismo e ausência de poder crítico, pois nos dois casos há um abandono - 'deixa como está para ver como é que fica' - e uma esperança mágica - 'dá-se um jeito' "


Perceberam a força destas linhas, meus caros??? De fato, o humor para se realizar precisa de algo que possa ser caricaturizado e ridicularizado, pois como toda forma de conhecimento, ele é crítico por natureza. Mas temos sempre que bater nas mesmas vítimas, nos estereótipos já prontos??? Temos que passar a vida reforçando "olha como aquele gordo só faz gordice", "olha como aquele homossexual é escandaloso", "olha como aquele negro é orgulhoso", "olha como aquele macumbeiro é ignorante", "olha como aquela mulher [que nos negou sexo, ou que respondeu nossa cantada escrota à altura] é feia e malcomida", e por aí vai ??? Temos que, como se não bastasse uma determinada mulher ter passado pela violência e pelo terror de um estupro, fazer troça de tudo que ela passou, só pra no fim reforçar que ela teve a culpa de tudo o que lhe aconteceu???


E mais: não é de se estranhar de que a maioria dos cultores deste tipo de humor sejam em sua esmagadora maioria homens, brancos, heterossexuais, não pertencentes a qualquer minoria social, étnica ou religiosa, e de uma condição social e econômica razoavelmente privilegiada??? Calma, não estou dizendo que há temas intocáveis no humor, mas há maneiras de se abordar estes temas sem bater nos alvos de sempre! Para os sedentos por provas, ei-las (ah! um aviso! Quanto ao terceiro vídeo, certifique-se de que as crianças e o seu chefe não estão por perto quando você estiver assistindo, ok?):











Poderíamos citar outros exemplos com este e com outros humoristas, mas acho que esses três vídeos ilustram bem o que eu quero dizer; são os mesmos temas polêmicos, mas o foco da piada é completamente diferente. Talvez não seja todo mundo que disponha de talento e de inteligência suficiente para conceber uma piada nesses moldes, e talvez também seja necessária uma certa agudeza pra entender e rir de piadas como as dos vídeos acima. Mas a questão exige um posicionamento claro: vamos sempre ficar chutando cachorro morto na rua ou vamos fazer como a criança do conto "A Roupa Nova do Rei", gritando a plenos pulmões: "Ih, o rei está nu!" ???


Tirem as suas próprias conclusões, meus caros! E, quando puderem, assistam este documentário aqui, um resumo mais aprofundado de tudo que abordamos neste post... Até a próxima!

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O feminismo ainda continua sendo a questão, ou "Na miséria humana do capital, o machismo ainda é triunfo social"


Quem minimamente esclarecido não gostaria de ser filho deste casal, ou de ter um romance assim? (só não sei ao certo se tão poliamoroso como era a relação dos dois, mas tá valendo!)? Duas das maiores mentes do século passado: Jean-Paul Sartre  e Simone de Beauvoir. Ambos tremendamente engajados nas questões sociais de seu tempo...
 
 
Saudações a todos! Há alguns dias atrás, eu dei aqui mesmo no blog (é meio deselegante ficar se auto-referenciando, mas o que fazer se as vezes isto é necessário?) uma breve opinião sobre algumas coisas que eu sei a respeito do feminismo. Pois bem, há uma amiga de quem já compartilhei vários textos aqui no blog, e que nestas questões possui muito mais leitura e experiência do que eu, e tanto nestas linhas abaixo como no blog dela já nos deu inúmeras provas de sua inteligência, de sua dedicação e de seu amor às ciências humanas...
 
O texto em questão é resultado dos fichamentos que ela fez de suas leituras de Simone de Beauvoir (eu tenho aqui comigo em pdf os dois volumes da edição brasileira d'o "Segundo Sexo", mas vejam que só de livros que eu comprei e ainda não li eu já tenho um armário lotado; deveria ter duas vidas: uma pra viver e outra pra ler tudo o que seja digno de ser lido) e que aborda muitas questões candentes para o pensamento feminista, bem como onde se fundamentam alguns dos nossos machismos de cada dia... Agradecemos à nossa amiga, que não só permitiu que republicássemos este texto (eu fiz pequenos acertos na pontuação e na concordância de algumas frases, mas creio ter tomado o cuidado de não alterar o sentido original do texto!) como deu sua contribuição para que eu conhecesse quase tudo o que hoje eu sei sobre feminismo e assim, talvez, me tornasse um cara menos babaca do que já sou (e isto já é um grande feito!)... Vamos à leitura!
 
 
As reivindicações femininas começam a fervilhar mais durante a época da primeira revolução industrial, quando as mulheres são inseridas na indústria, e apesar do trabalho ser igual em termos de rendimento e de produção, as mulheres ganham significantemente menos que os demais operários. Também apesar dos esforços das mulheres operárias, os homens operários tentam parar esse movimento, pois, se sentem ameaçados com o potencial feminino mal remunerado; a má remuneração garante a dependência feminina. Portanto, não se trata de uma questão de potencial, e sim de indicar claramente a classe social destinada as mulheres. Assim, as relações capitalistas se estabelecem como uma maneira de manter o machismo; para o capitalismo é interessante manter o modelo de família patriarcal para proteção da propriedade privada, com a mulher dentro da casa sendo vista como ‘dona do lar’.
 
 
E o antifeminismo invade muitos campos; para provarem a inferioridade da mulher apelam à teologia, filosofia e biologia ultrapassadas, religião, psicologia experimental, etc. Assim, estabelecem sua forma de ‘igualdade na desigualdade', como ocorreu com os afrodescendentes no Brasil e nos EUA, quando democracia é sinônimo de estabelecer um congelamento da ordem social (você não pode se rebelar, nem tem como trocar a ordem dos fatores, porém, deve obedece-la como se fosse sinônimo de igualdade).
 
 
Simone de Beauvoir aponta que, quer seja uma etnia, uma condição social, o sexo, a cultura, suas formas de descriminação desembocam em repetidos argumentos, defendendo a não-transição democrática desses grupos em função de não mudar a ordem, como forma de liberdade, aumentando a discriminação. A liberdade é manter a elite na elite, e o sinônimo de ‘democracia falida’ é a perda dos privilégios, invertem o sentido da palavra por completo. Ou seja, o “eterno feminino” é como a “alma negra” e o “caráter judeu”.
 
 
A diferença do caráter judeu é que para os antissemitas os judeus não tinham espaço no mundo, por isso à ideia de aniquila-los; no caso das mulheres e dos afrodescendentes a intenção é colocá-los ‘nos seus lugares’, dar uma ordem a eles. E nisto os argumentos da ‘mulher de verdade’ e do ‘negro bom’ parecem antinaturais, é como se transcendessem da sua própria essência e surpreendessem o mundo com seu caráter diferente do esperado. Também é necessário ver que a condição social tem muito a dizer em como a sociedade vê o grupo; visto de um caráter hegeliano, ser é ter para a sociedade do capital, e os afrodescendentes e as mulheres estão abaixo do nível considerado ‘sucesso’ na sociedade, ou seja, são encarados como incapazes, a tal ponto que o ‘ter’ é privando-lhes.
 
 
A ideia é que quando uma mulher consegue algo na sociedade, é como se estivesse roubando algo: rouba o direito do homem quando exige pensão, rouba a vaga do homem médico quando está estudando medicina, rouba o direito de escolha do homem quando exige a legalização do aborto, etc., a sociedade do sucesso e da escolha não nos pertence. Também partindo ainda dos status sociais, é visível que até os mais pobres dos homens brancos são vistos como semideuses diante das mulheres; se orgulham do fato de serem homens, brancos, heterossexual, pois em termos de sociedade é o que lhes resta, o orgulho ao preconceito que os mantêm assegurados de seus pequenos privilégios.
 
 
Ninguém é mais perigoso a uma mulher do que um homem que duvida da sua própria virilidade e contém complexo de inferioridade; os que não se intimidam com os demais se mostram mais abertos a compreender e reconhecer a mulher como semelhante. É notório que isto está interligado na suposta bondade masculina quanto às mulheres; mostra o quanto uma mulher é inferior aos demais quando ela necessita de ajuda, e o sentido de comunidade apenas serve para os seres masculinos. Visto que a mulher como qualquer ser humano e social precisa compartilhar para viver, isso é usado como pretexto para inferioridade, o homem pede ajuda por questão de companheirismo, a mulher pela ‘fragilidade’, na visão social machista, não existe ajuda para a mulher sem o discurso carregado de necessidade do homem para sobreviver, enquanto para o homem, a ajuda não passa de mera ajuda.
 
 
Para o homem, isto é insignificante, porém para a mulher, isto é determinante a tal ponto de acabar sendo convencida que isso é a ‘ordem natural’ das coisas, ela ‘precisa’ do homem para viver. Por isso, Simone de Beauvoir comenta tanto sobre não nos deixarmos impressionar pelos elogios da ‘mulher de verdade’; isso é uma forma de nos desviar da nossa luta para uma questão meramente de vaidade. Essa mesma vaidade está transbordando na arrogância masculina social, a ponto da questão feminina se tornar absurdo o suficiente para ser visto meramente como algo polêmico.
 
 
Em termos de felicidade, Simone afirma que não é interessante discutir o que deixaria uma mulher mais feliz sem impor uma condição restrita: em quais níveis uma mulher operária é mais feliz que uma dona de casa? A questão não é a felicidade entre uma função e outra pois, embora nos ocupemos em enfiar a felicidade em preceitos pré-formados, não é na prática dessa maneira que a mesma se faz. Entramos mais em questão de liberdade, o importante é a liberdade de escolha feminina e de condição, da mulher ser vista como humana, a liberdade é realmente a grande questão. E essa liberdade jamais será atingida quando o ponto de vista do outro for imposto, este outro, muitas vezes utiliza o termo ‘fêmea’, algo natural como forma pejorativa, como insulto, enquanto o ‘macho’ é sinônimo de coragem, valentia, a fêmea é a covardia, a traição de uma moral.
 
 
Desde o vocabulário até a piada, o todo em geral carrega (muito) discurso político, a ponto de naturalizarem uma violência sofrida por mulheres na maioria: o estupro. O estupro é visto como piada, como algo para se tirar sarro quando é colocado em uma piada, tem uma diferença com bastante discrepância do seu sentido original, e quanto mais se cria diversão em cima de algo violento e sério, mais natural parece o estupro, um ato nada natural, que é fruto de uma violência social. E essa brincadeira vende bem.
 
 
Enfim, um pequeno post sobre algumas reflexões acerca da mulher e seu ‘existencialismo’ todo sufocado pelo estereótipo de beleza e moral ditados pretensiosamente pelo masculino.
 
 
 


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Os umbandistas não conhecem sua própria história e sua própria cultura

 
Sete da Lira, tão esquecido entre os próprios umbandistas!
 
Saudações a todos! Eu havia planejado escrever este post antes do último que publiquei, mas como já disse alguma vez por aqui, resenhar um disco é muito mais fácil. Assim sendo, falarei de um tema que, por conta de minhas pesquisas e de minha vivência na religião umbandista, se tornou bastante candente: quando estudamos a história, a música e a cultura umbandistas, notamos que há entre os próprios adeptos da religião um total desconhecimento da música e da cultura da Umbanda, isso pra não falarmos de uma total falta de zelo em preservar a memória histórica e cultural da religião...
 
 
Me explico: aqui mesmo no blog, eu contei por alto um pouco da história do Seu Sete da Lira de D. Cacilda, enquanto resenhava um dos três discos que foram lançados em sua inspiração (aliás, este é o post mais lido e comentado do blog até hoje). Eu comentei com alguns umbandistas mais velhos (entre os quais minha mãe de santo) sobre esta história, e perguntei se eles já haviam ouvido falar dela. E não é que nenhum dos que eu consultei disseram ainda se lembrar disso??? E estamos falando de uma entidade que roubou a cena dos dois maiores programas de TV das duas maiores emissoras da época, de tal forma que ensejou um maior arrocho da censura da ditadura militar na televisão; estamos falando de uma entidade que atraía todos os sábados em seu tempo milhares de pessoas, e seu legado desaparece assim, quase sem deixar rastro??? Felizmente, há dois sujeitos que foram filhos de santo deste templo, e que nesta e também nesta outra página do Facebook, postaram fotos e relatos que nos ajudam a entender um pouco desta história e não deixar o legado de Seu Sete da Lira se perder por completo.
 
 
Mas os casos de abandono e de esquecimento da memória histórica e cultural da Umbanda não param por aqui. Todos os que gostam de samba certamente já ouviram falar de D. Ivone Lara, ou certamente já ouviram ao menos uma vez uma de suas inúmeras composições. O que muito pouca gente sabe é que antes mesmo de gravar seus discos ela participou de um disco de inspiração umbandista, e não era um disco qualquer: era o último de uma famosa série de discos umbandistas, a "Saravá... Umbanda é Paz e Amor", na qual se gravaram inúmeros pontos ainda hoje utilizados nos terreiros, bem como várias composições de José Manuel Alves, autor do Hino da Umbanda; este disco, além de contar com a presença de D. Ivone Lara, conta também com a presença de duas cantoras bastante apreciadas na música do santo: Baianinha e Genimar (desta última eu resenhei aqui o seu apreciado disco - é o segundo post mais lido e comentado do blog); o disco contém jongos, toadas e sambas de inspiração nas coisas do santo, e ficou tão bom que serviu de base para duas coletâneas.
 
 
Mas, incrivelmente, esta informação não consta na página oficial de Dona Ivone ou na página da Wikpédia à ela dedicada. E isto é espantoso não só se considerarmos que é o governo do estado do Rio de Janeiro que financiou a criação da página oficial da cantora, mas também por considerarmos que este desconhecimento também grassa dentro do próprio meio umbandista. Só para provar que não minto, eis aí os fonogramas cantados por D. Ivone Lara. O LP em questão é raro, mas pude obter as faixas por virtude de uma coletânea que aproveitou boa parte das músicas dele:
 
 
 






Antes que alguém me acuse de estar difamando a imagem de uma famosa e respeitada sambista, ou mesmo de estar criticando injustamente minha própria religião, devo lembrar que as questões que pretendo levantar aqui são de muita pertinência neste momento em que tanto se discute qual é o papel da religião umbandista dentro da sociedade, como ela poderá se defender da intolerância religiosa da qual ela sempre foi vítima e que agora está sendo levada a cabo por algumas denominações cristãs, ou mesmo de que forma ela poderá gozar da legitimidade social plena, coisa que já tem legalmente, mas ainda não tem de fato. E aí eu me pergunto: como poderemos nos dedicar à estas tarefas se nem ao menos conhecemos o legado de nossa religião??? Se pouco ou nada sabemos de sua história, de sua música, de sua literatura???
 
 
Enquanto perdemos tempo e paciência discutindo infrutiferamente se devemos ou não usar atabaques, sacrificar animais, utilizar o fumo e/ou a bebida alcóolica ou mesmo cultuar os exus e pomba-gira dentro dos templos, estamos permitindo que todo um patrimônio histórico e cultural que não se pode encontrar em nenhuma outra religião ou grupo social do mundo morrer juntamente com seus detentores... E, se deixamos tal coisa acontecer, temos um grande prejuízo não só à religião, mas a todo o nosso saber enquanto humanidade... Se as outras religiões gabam tanto sua filosofia, sua história, enfim, sua cultura, porque nós umbandistas ainda não pudemos fazer o mesmo???
 
 
Como eu costumo dizer: as questões são muitas, e encontrar uma resposta para elas não é nada fácil. Mas eu espero que com estes breves exemplos, eu tenha dado uma pequena contribuição à este tema... Até a próxima!