sábado, 15 de janeiro de 2011

Faramin Yemanjá - 1971?


01. Louvação a Janaína; 02. Corre Gira – Flores para Yemanjá; 03. Louvação a Oxossi; 04. Mironga de Preto Velho; 05. Seu Baluaê; 06. Louvação a São Jorge; 07. Louvação a Xangô; 08. Imberê; 09. Louvação a Oxalá; 10. Louvação a Yemanjá; 11. Louvação aos Caboclos; 12. Louvação à Cumieira; 13. Tem Dendê; 14. Sapo Macumbeiro; 15. Cruzambê;


Saudações a todos! Voltando a fazer o serviço rotineiro, vamos resenhar mais uma peça musical dos meus guardados. Pra hoje, eu escolhi um dos mais conhecidos discos umbandistas, o "Faramin Yemanjá", gravado na inspiração de Tancredo da Silva Pinto, expoente da Umbanda conhecido pelo seu viés fortemente "africanista". Algumas das faixas do disco foram compostas pelo próprio Tancredo, e muito provavelmente ele também canta em algumas delas.


Mas antes de começarmos a discutir o disco em questão, vale a pena tratarmos de alguns aspectos relativos à gênese do movimento umbandista. Até o começo da década de 40, não havia uma distinção muito clara entre a Umbanda e o kardecismo, apesar desta distinção já estar posta desde o princípio do movimento umbandista; a maioria dos umbandistas acredita que a Umbanda enquanto movimento religioso surgiu oficialmente em 15 de novembro de 1908, quando Zélio Fernandino de Morais, na época um jovem de 18 anos, teria recebido pela primeira vez o "Caboclo Sete Encruzilhadas" em público, durante uma sessão kardecista em Niterói. Ao ser repelido daquela sessão, por ser visto como uma entidade inferior e pouco evoluída, o Caboclo Sete Encruzilhadas anunciou que no dia seguinte fundaria na casa de seu médium um novo culto, baseado no evangelho cristão e onde os espíritos dos antigos indígenas e dos ex-escravos poderiam "trabalhar" em prol da humanidade, e que este culto teria o nome de UMBANDA.


Apesar da imensa maioria dos atuais umbandistas estarem, na forma em que praticam a Umbanda, em muito distanciados do entendimento religioso e dos preceitos de culto praticados pela corrente de Zélio Fernandino e do Caboclo das Sete Encruzilhadas, os umbandistas, ou pelo menos as federações que representam os templos religiosos e os intelectuais umbandistas mais tidos em conta tomam o citado acontecimento de 1908 como o mito fundador desta religião. Isto em muito se deve à atuação de Ronaldo Linares, atual presidente da Federação Umbandista do Grande ABC (pra quem não sabe, sobretudo os leitores estrangeiros deste blog - são poucos, mas existem! - e os leitores de fora de São Paulo, Grande ABC é o conjunto das cidades paulistas de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, que são cidades industriais vizinhas à cidade de São Paulo), que ao criar o primeiro curso de formação sacerdotal umbandista tentou pesquisar as origens desta religião e de alguma forma chegou à figura de Zélio Fernandino.


Pois bem, esta umbanda dos tempos primordiais era, apesar de tudo, ainda muito ligada ao kardecismo (basta lembrar que o livro "O Espiritismo, A Magia e as Sete Linhas de Umbanda", tido como o primeiro livro umbandista, foi escrito em 1933 por Leal de Souza, notório kardecista de seu tempo). Só a partir da década de 40 do século passado é que a Umbanda e o kardecismo se separaram definitivamente. Nesta época, tanto o kardecismo como a Umbanda eram movimentos religiosos com bastante aceitação dentro da classes médias; entre os fomentadores destes movimentos religiosos, encontrávamos os nomes de profissionais liberais como médicos e advogados, militares de alta patente, entre outros. Talvez por esta razão, interessava elidir do entedimento da religião umbandista qualquer forma de religiosidade ou de manifestação que de alguma forma estivesse ligada à cultura negra, como o uso de tambores, por exemplo; desta forma, no entendimento de tais pessoas, a Umbanda deveria se embranquecer para ser aceita socialmente num país oficialmente católico.


Somente a partir do final da década de 40 e início da década de 50 do século passado, surgiram intelectuais umbandistas que não só valorizavam o que havia da cultura negra dentro do movimento umbandista como ligavam a legitimidade deste movimento à presença da negritude dentro da Umbanda. Tancredo da Silva Pinto é um destes intelectuais (o principal deles). Apesar de hoje em dia a maioria dos templos umbandistas conviverem em seu culto com elementos da cultura negra, esta questão ainda está longe de ser encerrada (quem acompanha comunidades umbandistas em redes sociais, ou participa de listas e fóruns de discussão umbandistas na web, sabe que volta e meia surgem polêmicas sobre o uso dos atabaques, o sacrifício ritual de animais, o culto a exus e pomba-giras e até mesmo o uso do fumo e das bebidas alcoólicas e sabe bem do que falo).


Em louvor desta corrente africanista, conhecida como Omolokô, se gravou o disco que ora resenho. Foi lançado em 1971, mas as gravações parecem ser bem mais antigas, pelo menos parece que são de uns 20 ou 30 anos anteriores ao lançamento do disco. Para definir a obra como um todo, poderíamos usar a seguinte oração, que consta na contracapa do do disco: "São toadas, sambas, jongos, batuques e catimbós autênticos. São novos subsídios para o estudioso dos cultos afro-brasileiros; ao místico, aficionado da Umbanda, páginas originais cheias de poesia e de religiosidade".


O mérito do disco está justamente nesta poesia e nesta religiosidade, que coloca a música de terreiro em ligação com suas raízes na música popular. A corrente umbandista do Omolokô foi a primeira a defender publicamente (além dos vários livros que escreveu, Tancredo da Silva Pinto foi fundador de diversas federações umbandistas e escreveu artigos sobre Umbanda para diversos jornais de grande circulação) a beleza da Umbanda na sua influência negra, o quanto ela é o resultado da convergência de vários sistemas religiosos e o quanto ela está presente em nossa cultura, principalmente na nossa música...


E vamos ao colírio alucinógeno...


Para ouvir a faixa 11, "Louvação a Yemanjá", é só clicar aí embaixo:

Nenhum comentário:

Postar um comentário