sábado, 8 de setembro de 2012

Os males e agruras de se estudar as ciências humanas

Esse aí é um dos livros mais perturbadores que já li de uns tempos pra cá. Não que eu concorde com tudo o que vai em suas linhas, mas é um livro altamente recomendável a todos que um dia sonharam em ser professores...


Estou também em uma fase na qual estou procurando ler mais livros doutrinários da religião que sigo... O que é algo deveras complicado, uma vez que a religião umbandista não possui um ritual e uma doutrina única. Pegamos os livros dos autores mais populares e filtramos o que de melhor e mais adequado à nossa prática religiosa houver, pois esse é o jeito. E sim, eu uso óculos porque tenho hipermetropia e astigmatismo em grau já avançado...


Saudações a todos! Há poucos dias atrás, uma amiga (a quem devo boa parte dos acessos que este blogueizinho de meu Deus [mês passado completamos três anos no ar; foram três anos de inaudita ousadia em lançar este penico de elocubrações sem nexo ao mundo, mas também foram três anos dos quais bastante me orgulho do que fiz; não me arrependo de ter feito nada do que fiz e/ou escrevi com e para este blog]  teve do começo do ano pra cá, em virtude do jabá grátis que ela faz dele; não sei se a recíproca está sendo verdadeira, uma vez que também retribuí esse jabá) publicou o seginte texto em seu blog: http://miocitos.wordpress.com/2012/09/05/eu-tenho-uma-teoria-o-pessimista-e-mais-humano/


Como eu acho que os amigos leitores puderam notar, o texto é bastante perturbador, sobretudo ao revelar uma verdade inconveniente: o pessimismo não é apanágio exclusivo de caras como Pascal, Machado de Assis, Augusto dos Anjos ou os românticos do "mal-do-século" (como Álvares de Azevedo); talvez seja a atitude mais racional a ser tomada neste mundo tão louco em que vivemos (no qual tenho cada vez mais assentada a convicção de que não sou originário; talvez eu tenha chegado aqui ainda bebê numa nave provinda da estrela de Kolob, juntamente com o deus mórmon!). No entanto, vejo ainda algumas coisas neste texto que me deixaram igualmente perturbado e das quais eu não poderia deixar de dizer algumas palavras (até por que eu prometi fazer isso a ela; por falar nisso, não deixem de ver o resto do blog dela -tanto pelo conteúdo das postagens como pela autora, uma mulher lindíssima e inteligente - claro que uma pessoa com tais predicados só poderia estar estudando História!):



A primeira constatação pertubadora é a mais óbvia de todas, e que está precisamente contida em uma frase que parafrasearei de Leandro Karnal, um dos poucos historiadores apaixonados por seu ofício neste país: É tão frustrante saber que existem neste mundo contemporâneos (muito) mais inteligentes do que você, e que demonstram sua superioridade na capacidade que temos de compreender e admirar as emanações de sua inteligência (a ironia comeu solta aqui, mas não podia deixar escapar a oportunidade! As leituras de Voltaire me fizeram um irônico doentio) E a segunda diz muito respeito a uma coisa que geralmente ocorre quando começamos a estudar em nível superior: o enfraquecimento do sentimento religioso diante das evidências de que as religiões, de maneira geral, já não têm seu sustentáculo na racionalidade, e que a religiosidade é uma expressão da falta de maturidade das pessoas, ou do conservadorismo da sociedade...


Ora, meus senhores, antes de me tornar umbandista (eu já disse isso várias vezes, e vou torturá-los com essa história quantas vezes eu achar necessário, portanto se conformem!) eu fui um menininho decente, cuja avó o levava pela mãozinha até a igreja, que estudou todo o ensino fundamental numa escola adventista e que até adentrar num terreiro de Umbanda pela primeira vez em sua vida era uma pessoa bastante ativa na paróquia perto de sua casa, como membro da equipe de liturgia e da pastoral da juventude. E eu me decidi pela Umbanda no mesmo ano que ingressei na Universidade Federal de São Paulo pra estudar História (eu cheguei a fazer uns três semestres do mesmo curso numa faculdade particular, mas tive que parar porque eu era bolsista - obtive esta bolsa por ter sido o primeiro colocado no vestibular da instituição -  e no segundo ano a bolsa simplesmente se acabou). Até o presente momento, não me arrependi de absolutamente nada do que fiz, pensei ou escrevi na ou pela Umbanda. Muito pelo contrário: pude conhecer amigos pelos quais hoje eu tenho consideração de irmão; frequentei excelentes (muitas das quais, apesar de humildes) festas, onde tomei saborosas cachaças e me banqueteei com as mais variadas e deliciosas comidas; conheci lugares e passei por excelentes experiências pelas quais dificilmente teria passado de outra forma; recebi conselhos muito úteis para a minha vida prática, e o devido consolo e orientação nos períodos mais difíceis... E escrevi o único grande trabalho de pesquisa acadêmica que fiz (até agora) em toda a minha vida...


Ou seja, não acredito que a religião faça as pessoas ficarem conservadoras ou conformistas (embora seja o abrigo no qual a maioria - se não todos - os conservadores e conformistas natos se escudam). E acredito menos ainda que a religião seja perniciosa à racionalidade e ao pensamento ético. Ainda mais a Umbanda, uma religião que preza por ser uma religião do tipo "faze o que tu queres, pois é tudo da lei!", mas aguente as consequências depois 
(oras, tudo traz consequências, até passar os dias imóvel num canto!), e que praticamente só exige que você dedique uma pequena parte de seu tempo a louvar as divindades em seu ritual. 


É claro que ela tem seus defeitos: a) ela ainda não se unificou em termos rituais e doutrinários: por um lado, isso preserva a diversidade dentro da religião, mas por outro dificulta que você faça estudos mais consistentes sobre a religião; os principais autores umbandistas não só são conflitantes entre si como como conseguiram cristalizar rivalidades em torno de suas obras e das formas defendidas por eles de se praticar a religião. b) existe muita vaidade e rivalidade entre diferentes sacerdotes, e entre praticantes da religião dentro de um templo; o livro "Guerra de Orixá" é emblemático neste sentido, uma vez que esta vaidade faz com que a religião deixe de ser coesa e fique mais vulnerável aos ataques de seus detratores, sobretudo os evangélicos neopentecostais; c) a religião está eivada de pessoas que usam o seu nome (melhor dizendo, se escondem atrás dele) para explorar a boa-fé pública, prometendo milagres impossíveis e extorquindo dinheiro a rodo; d) o mais forte dos defeitos: não existe muita gente jovem praticando a religião (ou se assumindo como umbandista), com exceção daqueles que nascem e/ou vivem num lar umbandista. Eu, com quase 30 anos, era até há algum tempo atrás um dos mais jovens filhos de santo do templo em que me iniciei. E, como sabemos, qualquer religião não pode subsistir sem que a juventude esteja nela presente, não só a praticando, mas refletindo criticamente sobre ela e a enriquecendo. Corremos até o risco de, em quatro ou cinco gerações, a Umbanda desaparecer enquanto prática religiosa autônoma. Mas, ao que parece, estão começando a aparecer esforços para reverter esse quadro...


Talvez eu ainda esteja dentro desta religião porque o que eu busco é um contato mais direto com a espiritualidade (que, na verdade, é muito mais uma busca interior do que exterior; lembremo-nos do velho ditado que quem não tem dinheiro para análise, vai pra macumba), e também procuro entendê-la como portadora de um universo cultural (musical, principalmente) que lhe é próprio, e que não existe mais em nenhuma outra sociedade ou religião. Talvez este segundo aspecto seja o que mais me atraiu na religião, e me sinto também um tanto como guardião de uma minúscula e infinitesimal fração desse riquíssimo universo cultural...E vejo pela minha experiência que isto não embotou o meu discernimento da realidade, ou fez de mim alguém conservador ou conformista... Só acreditamos que há momentos da vida (não são todos!) em que "desligar o cérebro", ou se conservar em estado de não qualificar nem prejulgar a realidade são coisas benéficas e salutares; a santa Ciência e a santa Razão já deram provas sobejas de não serem suficientes para sanar todas as mazelas do universo, simplesmente por um motivo: o conhecimento sobre a vida e sobre o universo é sublime demais para ser encerrado em um único livro (ou num grupo restrito de livros), em uma única teoria (ou mesmo num conjunto reduzido delas) ou mesmo na cabeça de uma única pessoa (ou até mesmo num seleto grupo de pensadores)... 


Outra coisa que foge um pouco do texto de minha amiga, mas que eu não poderia deixar de comentar é algo que eu percebo bastante nos cursos de humanas: parece que, ao escolher esta área, somos investidos de uma pétrea obrigação moral de consertar o mundo. Tudo o que fazemos num curso de humanas tem que ser como uma preparação que ao fim e ao cabo nos dará o instrumental necessário para fazer a tão sonhada (e necessária) revolução nos usos, nos costumes e na sociedade. E, como qualquer coisa que se faça por obrigação e não por interesse, esse dever moral é um pé-no-saco altamente frustrante, principalmente quando constatamos que não temos o poder sequer para alterar os costumes de nossa casa.


Ou mesmo quando entramos numa sala de aula (eu ainda não comecei minha carreira no magistério, mas trabalhei por quase 3 anos numa escola estadual como agente de organização escolar - e posso dizer que esta figura, juntamente com o agente de serviços, é a única indispensável para qualquer escola funcionar. Se o diretor não aparece, botamos o vice no lugar; se os professores não vem em determinados dias, botamos os eventuais ou fazemos a escola virar uma rua de lazer. Mas se um funcionário faltar, que caos não fica para os que têm de cobrir sua ausência! E se todos os funcionários faltarem??? Quem abrirá e fechará os portões nos devidos horários, quem fará a merenda para os alunos, quem limpará a escola, atenderá o público na secretaria e cuidará de todas as rotinas administrativas da escola??? Quem atenderá as mais variadas solicitações dos alunos e dos professores, quem zelará pela vigilância do ambiente e, não raro, pela integridade física dos que ali estão presentes??? Pena que o sindicato da categoria é chapa-branca e muito fraco, e não se manca do poder que tem nas mãos). 


O que pude constatar é que está cada vez mais complicado se dar aulas ou tentar compartilhar um mínimo de conhecimento com os alunos. Quem já tentou da maneira mais assertiva e polida possível fazer com que uma sala de aula com quase 50 pessoas se aquietasse por apenas um minuto e recebeu risadinhas de deboche como resultado de seu esforço, quem teve que aguentar calado toda espécie de chistes e gozações ditos por pessoas que não tem nem a metade de sua idade e se acham grandes sabichões para evitar problemas maiores (mesmo estando com uma resposta ferina na ponta da língua; o ECA está comendo solto no lombo do povo... É como diria meu avô em sua simplicidade: a lei só serve pra quem está errado), quem já foi separar briga de aluno e tomou uma pancada nas têmporas de deixá-lo desorientado por alguns minutos, entre muitos outros males, sabe bem do que falo... Mas, afinal de contas, o governo e os pedagogos de gabinete sempre saberão o que é melhor para alterar este estado de coisas, não é mesmo??? Talvez um dos problemas principais disso tudo seja a constatação de que, atualmente, não existe NENHUM (isso mesmo, NENHUM) curso de licenciatura neste país (e eu falo tanto das mais conceituadas universidades públicas como as mais estropiadas "Uniesquinas" da vida) que prepare adequadamente os licenciandos para inúmeras situações com as quais se depararão quando estiverem atuando em sala de aula. 


A formação de um professor neste país, via de regra, joga pouca ou nenhuma luz sobre temas como mediação de conflitos, psicologia de grupo, teorias do currículo e currículo oculto, bullying, violência doméstica, abuso de drogas, e por aí vai... A prática em sala de aula ainda continua sendo a grande formadora de um bom professor, e, muito mais que sua formação acadêmica, é uma grande fonte de subsídios para o seu trabalho. Outro problema grave neste sentido é a visão do magistério como sacerdócio ao invés de uma profissão, sacerdócio este para o qual existem em teoria pessoas dotadas e não-dotadas de vocação para exercê-lo. E se é um sacerdócio, não precisa ser bem remunerado; se é um sacerdócio, tem que ser exercido com amor de mãe e com um estoicismo de fazer inveja a Epicteto e aos primeiros mártires cristãos.. Tudo isso quando o magistério deveria ser visto como uma profissão que é, que envolve o uso de competências, saberes e habilidades para as quais basta ter interesse e boa-vontade para adquirir, e que antes de mais nada merece ser devidamente remunerada... Tá certo que um pouco de carisma e pendor inato também ajuda (e como!), mas não deve ser a base e o pré-requisito primordial para alguém se meter neste ofício!


Sinceramente falando, eu ainda tenho o desejo de ser professor apenas por uma razão: eu acredito que minha capacidade e o meu cultivo seriam mal empregados se eu os consumisse juntamente com o que ainda resta da minha juventude enclausurado até a aposentadoria numa repartição pública ou privada qualquer; acredito que ainda tenho algo a oferecer a este mundo. Uma oferenda simples, mas na qual estou disposto a por todo o meu vigor e a minha capacidade... Quanto ao pessimismo que é o mote central do texto de minha amiga, eu concordo (embora não integralmente) com ele... Quem sabe Brás Cubas não retorne das cinzas e finalmente crie o emplasto anti-melancolia??? Ou será que estes dois textos (o meu e o de minha amiga) não passam de chororô de escorpiano, que simplesmente adora ser visto como o gênio/mártir incompreendido (e aí entra o velho Chaves: "Ninguém tem paciência comigo!")??? Reflitam nisto, meus caros!


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