domingo, 17 de março de 2013

"Sexualidade feminina: sempre escorreu pelas beiras da sociedade"



Saudações a todos! Antes que, finalmente, me venha a inspiração para escrever de próprio punho alguma coisa sobre o feminismo, vou por ora compartilhando textos de outras pessoas, coisa que não fiz por muitas vezes (com esta, será a quinta) por aqui. E, mais uma vez, vou compartilhar (com o devido consentimento) com vocês que ainda visitam este blog mais um texto de Mariana, uma das que citei em minha última postagem. E que, acredito, seja um texto bastante adequado pra iniciarmos algumas reflexões sobre o assunto:


“Ao longo da história, as mulheres foram invisibilizadas pela sociedade, sempre se deixando atribuir por papéis domésticos sem impacto político, social, ou cultural”


Não existe uma falácia tão complicada quanto essa; ela está presente até em livros de grande circulação que abordam o tema feminismo com seriedade, entretanto com esse descaso histórico no mínimo catastrófico. Essa colocação de invisibilidade social praticamente só cabe à mulher quando, na antiguidade, a história perpassa pelos patrícios, pelos plebeus, pelos escravos, e a mulher ainda é ressaltada por muitos como invisível, sendo que dos citados, apenas os patrícios eram verdadeiramente ativos na política.


A invisibilidade dos homens que não participavam da política é ressaltada por figuras como Platão, Sócrates, etc., uma pequena minoria que dá uma falsa ideia de liberdade para todos os homens; existiam homens invisíveis também. Sociedades bárbaras costumavam dar os atributos da guerra as mulheres, enquanto aos homens cabia a tarefa doméstica.


E mesmo diante da ideia de uma mulher caseira, embora lutemos por expressão social, é no mínimo preconceituoso imaginar que essa mulher não é ninguém na sociedade, é novamente menosprezar o papel de intensidade da mãe, por exemplo; que pode não estar engajada nas causas políticas, mas está passando toda a moral, valores sociais, etc., em idades incisivas, além da mulher ter ficado como a oradora, a que ensina a língua a criança, e faz dessa herança cultural importantíssima ser levada adiante, por essa razão que geralmente as mulheres tendem a ter uma oratória mais persuasiva.


O problema está para quando afirmamos que o correto é ser apenas a mulher da casa, ou apenas a mulher política, a liberdade feminina é sufocada, o individualismo feminino é sufocado, e todas têm que ser iguais. Vemos muitas brechas históricas onde um nome de um homem é ressaltado diante de uma multidão enfurecida que causou o verdadeiro impacto social. O que seria do mundo das ideias sem as atitudes? Não adiantaria muita coisa, visto que ambos, como diria Sócrates, precisam estar conectados.


Por que somente as ideias masculinas são repassadas? Ainda se tem uma ideia de superioridade, mesmo que disfarçada; na Revolução Francesa aprendemos as ideias de Jean Jacques Rousseau, e mal sabemos que existem mulheres tão engajadas na política quanto o próprio, principalmente em reivindicar direitos a mulher. Mulheres como Marie-Henriette Xaintrailles, que enfrentaram os próprios revolucionários, que apesar da sede de mudança, ainda estavam com os pensamentos permeados no conservadorismo.


Isso sem contar que a maioria das pessoas que participaram de momentos clássicos da revolução como a queda da Bastilha, e da própria guerrilha, foram mulheres. Mulheres do comércio, mulheres da casa, mulheres como qualquer outra, que de ‘sexo frágil’ não demonstravam nada, pelo contrário, chegavam a ser tão robustas quanto os próprios homens da revolução. 


Essas mesmas eram chamadas de ‘mal amadas’, como se a função do sexo feminino fosse simplesmente ser amada. E nesse ponto que Simone de Beauvoir comenta que a mulher não nasceu para agradar ao outro, ela é radicalmente educada, mesmo que ela sinta uma eterna frustração nisso tudo, mesmo que a maioria das mulheres no fundo sintam ojeriza da ideia de casamento, da ideia de parto, de tudo que consideram "o sonho das mulheres" nas utópicas novelas, de tudo isso que é sinônimo de sufocamento individual em definitivo.


Quando a mulher perde a função do seu corpo, dos seus órgãos, de que para uma criança, uma menina, as pernas são para andar, e após ela começar à puberdade a sociedade introduz a ideia de que as pernas são para se observar, todo o corpo feminino não passa de uma vitrine social. Parece que seu corpo como disse Simone, escapa de si.


Escapa tanto, que começa a ser objeto, objeto de observação, de vigilância social, de moralidade, de status. Não importa o quanto está inteligente, coerente, engajada, penetrada, tem que estar bela, tem que fascinar apenas pelo superficial; o que seria a beleza feminina, nada além dessa superfície da carne. 


Umberto Eco faz várias divagações sobre o que é belo, e entre essas divagações fica bem claro que o belo não é apenas uma questão estética, está muito além disso, mas no caso das mulheres parece ser a única coisa que se importa e que se espera. Não precisamos ir longe à tempos históricos, a Dilma Rousseff é julgada pela cor que estava vestindo na ocasião, e não pelas palavras, pela inteligência.


Embora isso seja instrumento de fascínio, no xeque mate parece não valer muita coisa. Parece até sinônimo de coisa ruim, aquela coisa medieval de que a mulher boa é a submissa, a santa. E ainda me choco, quando vejo notícias como a da Professora de Letras de São Carlos, sendo assassinada por não corresponder o aluno. Mulher, ainda sendo vista como propriedade, como simples animal de reprodução, não como cidadã, como ser humano.


É a situação do objeto e da posse, a mulher se torna mulher para posse, e se você não for "minha", não será de ninguém, pois seu corpo a mim pertence, e nunca a você. Essa é a ideia que mata, e quem finge que não, sabe que está sendo um tanto hipócrita. Crimes passionais em geral têm mulheres como vítima, é a grande maioria massacrante das vítimas, pois não é puramente uma questão individual de um distúrbio, e sim uma questão social toda criada. É a mesma sociedade que se choca, mas que diz: “Mulher que traí merece morrer”.


E esse crime passional, de matar "por amor", faz pouquíssimo tempo que deixou de ser crime, na verdade ainda tem gente que acredita que mata por amor. Não, não matam por amor, matam por machismo. Matam porque pensam que a mulher não é digna de viver se não for como "minha".


Quem ama não mata.


Não adianta à mulher sair da sua casa, ser uma profissional, dominar a academia, as universidades, etc., sendo que ela ainda é vista como uma propriedade a ser adquirida. Sendo que ela ainda é vista só como instrumento sexual, e não com o respeito pelas suas atitudes, pelo seu profissionalismo. É preciso ser radical, pois, como podem ver, a sociedade não pega leve com as mulheres, o feminismo é necessário. E desconstruir essa imagem de que a mulher foi apenas uma expectadora da história também é mais do que necessário.


Mary Del Priore, uma das mais fantásticas historiadoras brasileiras, comenta sobre sexualidade feminina desde os tempos de Colônia, sobre como ela jorra pelos cantos, como ela se desvia das demandas sociais. Sobre como, por exemplo, dentro do convento, existiam relações sexuais mais liberais do que fora do mesmo, pois a "militância" era menor. Dentro do convento, imagina na sociedade? Nunca conseguiram "domesticar" a mulher, mesmo com livros ditos "sagrados" a sexualidade feminina sempre foge a regra. Mesmo que a regra não mostre isso.


Muitas mulheres se sentiam livres lá, não eram santas. Como as amigas se envolviam sexualmente nas tardes inteiras dentro dos quartos, e ninguém desconfiava pelo fato de acreditarem que o prazer sexual feminino está ligado a penetração apenas. Como as chamadas ‘bruxas’ acreditavam na magia e na força feminina que ia além do esperado, além das demandas sociais; era uma forma de pensar independência a partir de uma identidade dogmática, sim, mas ainda sim era uma forma de se reafirmar com autonomia e tirar um pouco do sufocamento social.


A mulher sempre utilizou de artimanhas para sair pelas beiras, para sua sexualidade não ser sufocada; a diferença é que nenhum tempo é igual o outro, não é possível comparar as necessidades sociais da mulher medieval com a contemporânea, mal podemos comparar as próprias no campo sexual.


Pensar sobre a mulher é pensar sobre a liberdade de ser a mulher, não somente nas mulheres em geral; se você pensar sempre no plural pode cair naquele engano de, por exemplo, o fato de você nunca abortar ser sinônimo de proibir todas as demais do mesmo. Isso não é uma busca pela liberdade, é outra forma de opressão.


E ainda existem pessoas que acham que o feminismo é desnecessário. Curiosamente, todos os maiores intelectuais da área das humanas que não tenham se vendido demais por aí, são todos a favor do feminismo.


A intelectualidade diz: feminismo é sociedade justa, sociedade contra diferenciação de gênero.

Um comentário:

  1. Dilma e Inteligencia são coisas que não cabem na mesma frase amigo! Entretanto belo texto.

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