sexta-feira, 20 de julho de 2012

Sobre a "palmada pedagógica"




Saudações a todos! Como já deve ser do conhecimento de todos, há algum tempo está correndo no Congresso Nacional uma proposta de nova redação do artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que atualmente diz:


"É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor"


Pois bem, a proposta em questão permite, entre outras coisas, incluir nesse artigo o castigo físico (apelidado de "palmada pedagógica") como um dos tratamentos dos quais devemos manter a criança e o adolescente resguardados. Como esta questão é muito polêmica, uma vez que não conseguimos enxergar a educação moral de uma criança sem o uso de pequenos castigos físicos, eu creio que ela exige um posicionamento público dos que se julgam instruídos, ou daqueles que, como eu, mantém blogs onde lançam ao mundo suas idéias sobre o mundo e sobre o universo...


Mas então vamos aos fatos: qualquer pessoa com um mínimo de discernimento sabe que vivemos numa sociedade onde abusos e violências de toda espécie contra crianças e adolescentes (incluindo-se aí violências e abusos físicos, psicológicos e sexuais), longe de serem patológicas exceções partidas de gente sociopata, ainda são a regra no trato com crianças e adolescentes; que essa terrinha de meu Deus está repleto de pessoas que botam filhos a rodo no mundo, mesmo sem ter a menor condição de cuidar sequer de um jabuti esclerosado preso em um chiqueiro; que ainda grassa nesse mundo a idéia retrógrada de que as crianças e adolescentes, mais do que seres humanos em fase de desenvolvimento, são propriedade privada e fonte de realização pessoal de quem os pôs no mundo; que, no senso comum, ser uma criança e/ou um adolescente tido como "bom" não é necessariamente ser uma pessoa que age com justiça, ética, solicitude e generosidade, mas sim ser alguém que não tem vontade própria, que se porta nos ambientes como se fosse um luluzinho de madame e que obedece cegamente seus progenitores... Nesse cenário, já da para se notar que a criança e o adolescente estão em clara desvantagem...


E quando nos damos conta disso, vemos que a proposição da mudança legal que citamos acima vem para tentar coibir estes abusos e estes preconceitos. E do meu lado, presenciei e vivi situações em que a "palmada pedagógica" não fez nada de bom... Vamos a uma delas:


Em um belo domingo de páscoa, eu, meu irmão e meus pais estávamos (como quase sempre fizemos) reunidos na casa de minha avó, mãe de meu pai... Em determinado momento, eu e meu irmão (eu já era um menino de 8 anos e meu irmão tinha mais ou menos 3 anos) estávamos sozinhos nos quartos da casa (meus avós por parte de pai moram em uma pequena casinha de alvenaria assobradada, em uma das muitas vielas do Alto de Vila Maria - e ali, quase todas as vielas estão em forma de grandes escadarias de concreto; os quartos de dormir estão na parte de cima, um para meus avós e outro onde meu pai e minha tia dormiam quando eram solteiros - hoje usado para "hóspedes eventuais", isto é, eu, meu irmão, meu pai, minha prima e minha tia).


Em dado momento, meu irmão se desviou de mim por uns instantes pra ficar ao lado de minha mãe que estava no quarto contíguo falando ao telefone... Naquele tempo, meus avós guardavam toda espécie de tranqueiras em cima do guarda-roupa, acondicionadas em caixas de sapato, e eu sempre fui curioso pra saber o que havia guardado dentro dessas caixas (quando eu perguntava, sempre recebia respostas evasivas e ordens para não mexer nas caixas, com as quais nunca me conformei; hoje vejo que talvez foi por isso que eu um dia escolhi estudar História - embora já esteja um pouco arrependido, mas isso é assunto pra outro post - pois eu nunca me deixei engabelar por respostas prontas aos meus questionamentos, vivia fuçando gavetas, caixas, documentos e pertences alheios para saber de seu conteúdo). Como eu ainda não era alto o suficiente para alcançar a parte de cima do guarda-roupa, eu subi por uma pequena estante que estava do lado...


E logo descobri a razão das evasivas: em uma pequena caixa de papelão havia uma pequena garrucha calibre 22, daquela de dois tiros, um em cada cano (arma bastante antiquada, mas ainda hoje bem conservada). No instante em que eu peguei a arma, fui espertado pelo barulho de alguém subindo a escada e incontinenti deixei a arma em cima de uma pasta de plástico, descendo da estante como se nada houvesse ocorrido...Alguns minutos depois, estava eu brincando com outras crianças na viela quando sou chamado pra dentro de casa. A arma havia escorregado da pasta e caído no chão do quarto. O meu irmão estava perto e quase a pegou, mas meu pai, também espertado pelo barulho desconhecido de algo caindo no chão (esta é uma neurose da minha família, principalmente de meu pai), também foi ao mesmo tempo ver o que era e impediu meu irmão de pegar a arma.


Vale lembrar que ela estava carregada e poderia ter perfeitamente disparado ao cair no chão (e alvejado meu irmão que estava perto) ou meu irmão poderia tê-la pego e igualmente disparado a arma contra si ou contra quem tivesse a infelicidade de estar por perto. Certamente meu pai compreendeu na hora que eu estava envolvido nisso e me chamou ali para dar uma bronca... Em determinado momento, ele me pegou pela orelha esquerda e me fez descer a escada me pegando por essa orelha... Quando eu era moleque eu já era um chorão por natureza, imagine se isso não foi o suficiente pra eu começar a chorar como uma gazela espavorida. E só aí eu recebi a bronca, intervalada por alguns croques no alto da cabeça. E o que exasperou meu pai foi o fato de poder ter-se havido uma tragédia por uma negligência minha... O sofrimento só parou por causa da intervenção de minha avó para acalmar os ânimos (ah, minha santa avó, que não é apenas a mãe de meu pai; é uma divindade acima do bem e do mal - como todas as boas avós - e acima da ética e das leis humanas! O que seria de mim neste mundo cruel se não fosse esta divindade, que ao baixar na terra se traveste na figura de uma humilde e miúda senhora vinda do interior??? Eu não quero nem pensar, meus caros!)


E quando vamos defender a "palmada pedagógica", nos perguntamos: O que uma criança de 8 anos pode fazer de tão grave que mereça ser arrastada pelas orelhas até um canto qualquer??? Ou que mereça ser surrada com cintos de couro, com chinelos, revistas dobradas, fios elétricos e outros objetos mais??? Esse e outros episódios contribuíram para que, durante a minha infância e a minha adolescência, eu mais temesse do que amasse meu pai. Não estou querendo dizer que sou um traumatizado por causa disso, ou que meu pai era um carrasco destemperado que sentia prazer em bater nos filhos (muito pelo contrário, ele foi e ainda é um pai bastante prestativo e dedicado, que nunca descuidou de seus dois filhos, mas, assim como eu, todos os homens de minha família são ou dão evidências claras de ser de Ogum, e como tal são pessoas irascíveis por natureza, teimosas e que não gostam de e não aceitam ser contrariadas em nada - este trecho em parêntesis eu inseri sem demagogia acalmadora de ânimos, rsrsrs). Na hora destes acontecimentos, não foi nada agradável sentir dor física e dor moral simultaneamente...


Não quero com isso me vitimizar e me fazer de pobre coitado; afinal de contas, sou já um homem adulto e maduro o suficiente pra não ficar mais remoendo mágoas e me debatendo com o que me aconteceu de ruim no passado. Sinceramente falando, tenho mais o que fazer do que praticar o coitadismo... Pois bem, agora vamos ao outro lado da questão... Não dá pra negar que vivemos já há algum tempo numa era onde o peso da influência familiar na educação de uma pessoa tem sido reduzido, ou, pelo menos, tem sido relegado a um segundo plano... Hoje em dia, muito mais do que a família, a televisão, a internet, os colegas de escola ou da rua tem muito mais valor pra formar a opinião e o caráter de uma pessoa do que sua família. E, ao que parece, a família tem aceitado relegar o seu papel a estas instituições que eu citei...


E quem trabalha ou já trabalhou dentro de um ambiente escolar (me refiro a todas as escolas, sejam elas públicas ou particulares; a superioridade da maioria das particulares sobre as públicas consiste apenas em saber varrer mais rápido os seus problemas pra baixo do tapete, antes que haja tempo de alguém com mais argúcia notá-los. Se em cada estado houverem dez instituições de ensino privado de competência indiscutível, já é muito) já deve ter notado os efeitos disso: o bullying, a indisciplina, a grosseria contra professores e muitos outros problemas campeiam no ambiente escolar. E quase todos eles estão de alguma forma relacionados a negligência familiar no trato com as crianças, uma vez que não cabe à escola (tanto eticamente como legalmente) a educação moral de quem quer que seja... Quase sempre, as crianças e adolescentes mais problemáticos dentro do ambiente escolar não são problemáticos porque possuam uma maldade e/ou falhas de caráter inatas, mas sim porque precisam de alguém que puxe por eles, que lhes dê mais do que água, alimento, roupas e abrigo e que no devido momento saibam dar umas palmadas leves porém decididas...


Entendamos o seguinte: todos nós quando crianças e/ou adolescentes fizemos alguma peraltice, ou geramos alguma preocupação ou dissabor aos nossos responsáveis; o mesmo se aplica as crianças/adolescentes de hoje e se aplicará a todas as crianças e adolescentes vindouras... Mais do que nunca, é necessário planejar seriamente quando ou se teremos filhos, e se os tivermos que eles definitivamente não sejam apenas fatores de nossa realização pessoal e muito menos bodes expiatórios onde possamos descarregar toda a frustração, raiva e canseira diárias... Muito mais do que castigos físicos, creio que a privação temporária de coisas que a garotada goste (televisão, videogame, computador, sair pra brincar na rua ou passear com os amigos, etc.), ou mesmo fazer com que a criança gaste parte de seu tempo livre em atividades paralelas (leitura, esportes, por exemplo) é muito mais eficiente pra conter os mais rebeldes. Se nada disso adiantar (e acredito que isso seja raro), recorremos as palmadas, beliscões e puxões de orelha, mas sabendo que se passarmos da dose, o castigo produz o efeito contrário ao desejado; só um desequlibrado sente prazer em provocar sofrimento físico nos próprios filhos. Orientação psicológica para os que insistem em não se emendar também é de grande valia (tenho exemplos em minha família que me levam a crer nisto)...


Quem sabe um dia, o governo não estabeleça uma cota diária e/ou semanal de quantas palmadas, beliscões, puxões de orelha, croques e outas coisas quejandas uma criança/adolescente pode receber, relacionando isso aos "delitos" e estabelecendo "penas": dano aos objetos alheios, dois tapas na bunda; escândalo em lugares públicos, um beliscão aplicado discretamente pra que a criança volte a si, e por aí vai... E botar o povo pra fiscalizar o cumprimento disso! Se até o Sarney teve dedicados fiscais populares nos tempos do Plano Cruzado, e se temos agentes pra ver se não criamos pernilongos dentro de casa (por causa da dengue), porque não poderíamos ter fiscais para isso???? (ironia comeu solta neste parágrafo)


Agora me dêem licença que eu vou tomar a minha dose de chá de fita!

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