sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O feminismo ainda continua sendo a questão, ou "Na miséria humana do capital, o machismo ainda é triunfo social"


Quem minimamente esclarecido não gostaria de ser filho deste casal, ou de ter um romance assim? (só não sei ao certo se tão poliamoroso como era a relação dos dois, mas tá valendo!)? Duas das maiores mentes do século passado: Jean-Paul Sartre  e Simone de Beauvoir. Ambos tremendamente engajados nas questões sociais de seu tempo...
 
 
Saudações a todos! Há alguns dias atrás, eu dei aqui mesmo no blog (é meio deselegante ficar se auto-referenciando, mas o que fazer se as vezes isto é necessário?) uma breve opinião sobre algumas coisas que eu sei a respeito do feminismo. Pois bem, há uma amiga de quem já compartilhei vários textos aqui no blog, e que nestas questões possui muito mais leitura e experiência do que eu, e tanto nestas linhas abaixo como no blog dela já nos deu inúmeras provas de sua inteligência, de sua dedicação e de seu amor às ciências humanas...
 
O texto em questão é resultado dos fichamentos que ela fez de suas leituras de Simone de Beauvoir (eu tenho aqui comigo em pdf os dois volumes da edição brasileira d'o "Segundo Sexo", mas vejam que só de livros que eu comprei e ainda não li eu já tenho um armário lotado; deveria ter duas vidas: uma pra viver e outra pra ler tudo o que seja digno de ser lido) e que aborda muitas questões candentes para o pensamento feminista, bem como onde se fundamentam alguns dos nossos machismos de cada dia... Agradecemos à nossa amiga, que não só permitiu que republicássemos este texto (eu fiz pequenos acertos na pontuação e na concordância de algumas frases, mas creio ter tomado o cuidado de não alterar o sentido original do texto!) como deu sua contribuição para que eu conhecesse quase tudo o que hoje eu sei sobre feminismo e assim, talvez, me tornasse um cara menos babaca do que já sou (e isto já é um grande feito!)... Vamos à leitura!
 
 
As reivindicações femininas começam a fervilhar mais durante a época da primeira revolução industrial, quando as mulheres são inseridas na indústria, e apesar do trabalho ser igual em termos de rendimento e de produção, as mulheres ganham significantemente menos que os demais operários. Também apesar dos esforços das mulheres operárias, os homens operários tentam parar esse movimento, pois, se sentem ameaçados com o potencial feminino mal remunerado; a má remuneração garante a dependência feminina. Portanto, não se trata de uma questão de potencial, e sim de indicar claramente a classe social destinada as mulheres. Assim, as relações capitalistas se estabelecem como uma maneira de manter o machismo; para o capitalismo é interessante manter o modelo de família patriarcal para proteção da propriedade privada, com a mulher dentro da casa sendo vista como ‘dona do lar’.
 
 
E o antifeminismo invade muitos campos; para provarem a inferioridade da mulher apelam à teologia, filosofia e biologia ultrapassadas, religião, psicologia experimental, etc. Assim, estabelecem sua forma de ‘igualdade na desigualdade', como ocorreu com os afrodescendentes no Brasil e nos EUA, quando democracia é sinônimo de estabelecer um congelamento da ordem social (você não pode se rebelar, nem tem como trocar a ordem dos fatores, porém, deve obedece-la como se fosse sinônimo de igualdade).
 
 
Simone de Beauvoir aponta que, quer seja uma etnia, uma condição social, o sexo, a cultura, suas formas de descriminação desembocam em repetidos argumentos, defendendo a não-transição democrática desses grupos em função de não mudar a ordem, como forma de liberdade, aumentando a discriminação. A liberdade é manter a elite na elite, e o sinônimo de ‘democracia falida’ é a perda dos privilégios, invertem o sentido da palavra por completo. Ou seja, o “eterno feminino” é como a “alma negra” e o “caráter judeu”.
 
 
A diferença do caráter judeu é que para os antissemitas os judeus não tinham espaço no mundo, por isso à ideia de aniquila-los; no caso das mulheres e dos afrodescendentes a intenção é colocá-los ‘nos seus lugares’, dar uma ordem a eles. E nisto os argumentos da ‘mulher de verdade’ e do ‘negro bom’ parecem antinaturais, é como se transcendessem da sua própria essência e surpreendessem o mundo com seu caráter diferente do esperado. Também é necessário ver que a condição social tem muito a dizer em como a sociedade vê o grupo; visto de um caráter hegeliano, ser é ter para a sociedade do capital, e os afrodescendentes e as mulheres estão abaixo do nível considerado ‘sucesso’ na sociedade, ou seja, são encarados como incapazes, a tal ponto que o ‘ter’ é privando-lhes.
 
 
A ideia é que quando uma mulher consegue algo na sociedade, é como se estivesse roubando algo: rouba o direito do homem quando exige pensão, rouba a vaga do homem médico quando está estudando medicina, rouba o direito de escolha do homem quando exige a legalização do aborto, etc., a sociedade do sucesso e da escolha não nos pertence. Também partindo ainda dos status sociais, é visível que até os mais pobres dos homens brancos são vistos como semideuses diante das mulheres; se orgulham do fato de serem homens, brancos, heterossexual, pois em termos de sociedade é o que lhes resta, o orgulho ao preconceito que os mantêm assegurados de seus pequenos privilégios.
 
 
Ninguém é mais perigoso a uma mulher do que um homem que duvida da sua própria virilidade e contém complexo de inferioridade; os que não se intimidam com os demais se mostram mais abertos a compreender e reconhecer a mulher como semelhante. É notório que isto está interligado na suposta bondade masculina quanto às mulheres; mostra o quanto uma mulher é inferior aos demais quando ela necessita de ajuda, e o sentido de comunidade apenas serve para os seres masculinos. Visto que a mulher como qualquer ser humano e social precisa compartilhar para viver, isso é usado como pretexto para inferioridade, o homem pede ajuda por questão de companheirismo, a mulher pela ‘fragilidade’, na visão social machista, não existe ajuda para a mulher sem o discurso carregado de necessidade do homem para sobreviver, enquanto para o homem, a ajuda não passa de mera ajuda.
 
 
Para o homem, isto é insignificante, porém para a mulher, isto é determinante a tal ponto de acabar sendo convencida que isso é a ‘ordem natural’ das coisas, ela ‘precisa’ do homem para viver. Por isso, Simone de Beauvoir comenta tanto sobre não nos deixarmos impressionar pelos elogios da ‘mulher de verdade’; isso é uma forma de nos desviar da nossa luta para uma questão meramente de vaidade. Essa mesma vaidade está transbordando na arrogância masculina social, a ponto da questão feminina se tornar absurdo o suficiente para ser visto meramente como algo polêmico.
 
 
Em termos de felicidade, Simone afirma que não é interessante discutir o que deixaria uma mulher mais feliz sem impor uma condição restrita: em quais níveis uma mulher operária é mais feliz que uma dona de casa? A questão não é a felicidade entre uma função e outra pois, embora nos ocupemos em enfiar a felicidade em preceitos pré-formados, não é na prática dessa maneira que a mesma se faz. Entramos mais em questão de liberdade, o importante é a liberdade de escolha feminina e de condição, da mulher ser vista como humana, a liberdade é realmente a grande questão. E essa liberdade jamais será atingida quando o ponto de vista do outro for imposto, este outro, muitas vezes utiliza o termo ‘fêmea’, algo natural como forma pejorativa, como insulto, enquanto o ‘macho’ é sinônimo de coragem, valentia, a fêmea é a covardia, a traição de uma moral.
 
 
Desde o vocabulário até a piada, o todo em geral carrega (muito) discurso político, a ponto de naturalizarem uma violência sofrida por mulheres na maioria: o estupro. O estupro é visto como piada, como algo para se tirar sarro quando é colocado em uma piada, tem uma diferença com bastante discrepância do seu sentido original, e quanto mais se cria diversão em cima de algo violento e sério, mais natural parece o estupro, um ato nada natural, que é fruto de uma violência social. E essa brincadeira vende bem.
 
 
Enfim, um pequeno post sobre algumas reflexões acerca da mulher e seu ‘existencialismo’ todo sufocado pelo estereótipo de beleza e moral ditados pretensiosamente pelo masculino.
 
 
 


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